Uma ação conjunta entre a Polícia Federal e a Fuerza Especial de Lucha contra el Crimen, da Bolívia, prendeu na sexta-feira, 16, Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, apontado como uma das principais lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC). Tuta teria participado de um plano para resgatar da prisão Marcos Willians Herbas Camargo, o Marcola, líder do PCC. Na ocasião, foi dado como morto pela própria organização criminosa, em estratégia para despistar a polícia. Também foi condenado em 2024 por associação criminosa e lavagem de dinheiro, em um esquema que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão.
Ele estava foragido desde 2020 e foi preso oficialmente na cidade de Santa Cruz de La Sierra. Tuta chegou a ser apontado pela inteligência do sistema prisional como principal liderança do PCC fora da prisão, mas não ocupa mais esse posto, segundo o promotor Lincoln Gakiya, especialista no combate à facção criminosa.
“A prisão do Tuta é uma baixa muito importante para o PCC, mas infelizmente outros criminosos de igual ou maior calibre ainda estão vivendo tranquilamente na Bolívia”, diz ele.
A PF não divulgou oficialmente quem é o preso, mas uma fonte na corporação disse ao Estadão que se trata de Tuta. A identidade dele foi confirmada biometricamente na manhã deste sábado, 17. O oficial de ligação da corporação em Santa Cruz de La Sierra negocia os trâmites para extraditar o criminoso para o Brasil.
“O indivíduo permanece sob custódia das autoridades bolivianas, aguardando a confirmação de sua identidade e os procedimentos legais que poderão resultar em sua expulsão ou extradição ao Brasil“, disse a PF em comunicado divulgado na noite de sexta-feira. De acordo com a corporação, Tuta está na Lista de Difusão Vermelha da Interpol, ”o que motivou a intensificação dos esforços para sua localização e captura".

De acordo com Gakya, Tuta foi preso quando tentava renovar sua identidade boliviana usando um documento de identidade falso emitido no Brasil. Como estava na lista da Interpol, ele foi preso assim que identificado.
A tendência, segundo o promotor, é que o criminoso seja transferido para o Brasil e fique preso no sistema penitenciário de São Paulo até que se avalie a necessidade de sua remoção para um presídio federal.
Em coletiva de imprensa na tarde deste sábado, 17, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei os Rodrigues, afirmou que a instituição espera a expulsão imediata da Bolívia, o que levaria o líder da organização a ser trazido para o Brasil, ou a extradição formal, que depende da Justiça da Bolívia e pode levar mais tempo, sem prazo definido.
Uma aeronave da Polícia Federal está pronta para trazer Tuta ao Brasil, mas as próprias autoridades bolivianas podem realizar o transporte, o que ainda depende de autorização.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi informado sobre a operação pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que também comunicou a prisão ao chanceler brasileiro, Mauro Vieira.
Ex-número 1
Gakiya afirma que Tuta era um dos principais líderes de rua do PCC durante os ataques de maio de 2006. Entre os dias 12 e 21 daquele mês, foram 564 mortos no Estado, entre eles 59 agentes públicos.
Preso, ele foi levado para a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, conhecida como P2 de Presidente Venceslau, junto com Marcola e outros líderes do PCC, mas recebeu benefício prisional durante a execução da pena e deixou o cárcere.
“Com o isolamento do Marcola e das demais lideranças no sistema penitenciário federal, ele teria assumido em 2020 a função de número 1 do PCC”, conta Gakiya. “Hoje ele não é mais o número 1″, acrescenta.
Resgate de Marcola
No posto de número 1, Tuta teria participado do plano para resgatar Marcola da prisão. Com a descoberta, o líder do PCC foi transferido de Brasília para Rondônia em março de 2022 para evitar a fuga. No ano seguinte, ele voltaria ao presídio federal na capital do País, em nova movimentação motivada pela descoberta de outro plano de resgate.
“Ele (Tuta) inclusive chegou a ser dado como morto pelo próprio PCC por ter tido má conduta na gestão da facção. Depois descobrimos que era uma contrainformação dada pelo próprio PCC para que as autoridades policiais e o Ministério Público não incomodassem mais o Tuta, uma vez que ele estava incumbido do plano de resgate do Marcola”, lembra Gakiya.
Lavagem de dinheiro
Como mostrou o Estadão, Tuta e outras três pessoas foram condenadas em fevereiro de 2024 pela Justiça de São Paulo por associação criminosa e lavagem de dinheiro. Dos quatro, ele era o único que estava foragido e não cumpria a pena, de 12 anos e seis meses de prisão. A condenação ocorreu após denúncia do Ministério Público do Estado (MP-SP) no âmbito da Operação Sharks, coordenada por Gakiya. O grupo teria movimentado mais de R$ 1 bilhão para o PCC.
Tuta já havia sido alvo de mandado de prisão no âmbito da mesma operação, mas em 2020. Na segunda fase da operação, três anos depois, houve novo pedido, mas novamente o criminoso não foi encontrado.
Uma investigação posterior, que ganhou força após a morte do delator Antônio Vinícius Gritzbach no ano ado, apontou que policiais militares teriam recebido dinheiro para impedir a prisão de Tuta — ele estaria na lista de beneficiários de informações sobre operações vazadas com antecedência pelos policiais. Segundo a Corregedoria da PM paulista, o PCC conseguiu se infiltrar na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e em outras unidades da corporação.
Entre as acusações contra Tuta está a lavagem de dinheiro do tráfico com a locação de uma casa de alto padrão em Santana do Parnaíba, a compra de duas casas em Peruíbe, a aquisição de três imóveis em São Paulo, além da compra de uma chácara em Araçatuba e de apartamentos em Santos.
Bolívia é santuário para cartel do PCC
A presença de Tuta na Bolívia já havia sido mencionada em uma reportagem de 2021 do Estadão. O texto apontava que a dificuldade da PF de atuar no país vizinho e a localização geográfica da Bolívia, na região central da América do Sul, transformaram o vizinho em uma santuário do Narcosul, como os investigadores chamam o cartel que reúne representantes do PCC e associados ao tráfico internacional de drogas.
Embora tenha comemorado a prisão desta sexta, Gakiya aponta que outras lideranças do PCC ainda vivem tranquilamente na Bolívia.
“Eu vou citar o André do Rap, o Patrick Uelinton Salomão, o Forjado, o Pedro Luiz da Silva, o Chacal e o Sérgio Luiz de Freitas, conhecido por Mijão. Esses também são líderes do PCC hoje que continuam a comandar a facção a partir da Bolívia. Certamente estão utilizando documento falso e vivendo em Santa Cruz de la Sierra com toda a tranquilidade”, conclui o promotor.