
Djamila Ribeiro nunca teve dúvidas de que a filosofia era um caminho possível. Quando decidiu cursar Filosofia na Universidade Federal de São Paulo, já sabia que o pensamento crítico seria sua ferramenta de transformação. Hoje, consagrada como autora, colunista, conferencista internacional e uma das vozes mais influentes do debate público brasileiro, continua se apresentando, antes de tudo, como professora.
Não por acaso, acaba de ser convidada para lecionar no MIT, como a primeira brasileira a integrar o programa que homenageia Martin Luther King — um dos mais prestigiados da instituição. “Meu nome foi aprovado para começar a lecionar em setembro. Dessa vez, fico um ano e posso estender por mais um. Estou animada com a estrutura e o tempo para desenvolver um trabalho mais consistente”, conta.
Tudo isso é fruto de uma trajetória construída a partir da sala de aula. Foi ali que Djamila percebeu a força das ausências. Ao apresentar pensadoras negras e intelectuais, notava o espanto dos alunos diante de autoras que nunca tinham lido. O estranhamento revelava não só o ineditismo, mas um apagamento histórico — o que não se ensina, o que não se lê, o que fica de fora. A partir daí, encontrou um caminho: ampliar o repertório da filosofia, não como adendo, mas como eixo.
Essa convocação de outras vozes virou seu método. Em aulas, textos e palestras, Djamila insiste que o ensino de filosofia nas escolas e universidades brasileiras ainda é marcado por uma lógica eurocêntrica e masculina. “Isso empobrece o pensamento. Quando lemos outras perspectivas, abrimos janelas que nem sabíamos que existiam.”
Para Djamila, ensinar nunca foi apenas uma ocupação: é uma ferramenta de emancipação. Por isso, segue lecionando sempre que possível, mesmo com a agenda lotada. “Sem dúvida nenhuma, uma das minhas grandes paixões é participar da formação de educadores. No mês ado falei para 1.300 professores. Meu último compromisso foi falar para a rede pública de educação do Tocantins. É uma maneira em que me sinto conectada à sala de aula”.
Esse compromisso com a educação também aparece em sua atuação pública. Ao mesmo tempo em que Djamila fala em cátedras e com públicos acadêmicos, ela se dirige com igual cuidado a leitores não familiarizados com o jargão filosófico. Seus textos — claros, diretos, sem abrir mão da densidade — são pensados como convites. Um exercício contínuo de tradução, sem concessão à simplificação. É também uma resposta política: tornar ível o que historicamente foi reservado a poucos.
Seu livro de estreia, Lugar de Fala, lançado em 2017 pela coleção Feminismos Plurais, tornou-se referência. O ensaio propõe uma leitura crítica do silenciamento e defende o direito à produção e à circulação de saberes a partir das experiências de grupos historicamente marginalizados. Traduzido para o inglês como Where We Stand, o livro levou a autora a uma série de conferências nos Estados Unidos, em universidades como Harvard, Yale, MIT e Howard.
“Viajei por várias cidades para apresentar a tradução. Além de falar da minha obra, aproveitava para provocar: se querem entender esse campo de pensamento, precisam estudar o que é produzido fora dos EUA.” Com firmeza e humor, Djamila confrontava o olhar condescendente com que intelectuais do Sul Global costumam ser recebidos. “Muitos brasileiros chegam intimidados lá fora. Eu também me senti assim. Mas depois entendi: não devemos nada. Nossa produção intelectual é riquíssima. Precisamos trocar em pé de igualdade.”
Mas, se a intelectual pública é reconhecida por sua força argumentativa, é também por sua imagem. Djamila se veste com elegância, mistura marcas nacionais e internacionais e não hesita em participar de campanhas de moda. Para alguns, esse lugar pode parecer contraditório — uma mulher negra, feminista, crítica do capitalismo, associada a uma indústria historicamente excludente. Para ela, não há conflito: há história.
“Meu gosto por moda vem da minha mãe e da minha tia. Elas costuravam, faziam as próprias roupas. A gente não tinha dinheiro, então minha mãe olhava as vitrines e tentava reproduzir em casa. Sempre andamos muito bem-vestidos — por orgulho e por defesa. Ela dizia: ‘Vocês são negros, a sociedade já discrimina. Têm que sair com o cabelo arrumado, a pele hidratada, bem-vestidos’.”
A elegância, assim, foi ensinada como forma de resistência. Uma pedagogia do cuidado, costurada dentro de casa. “Cresci cercada por mulheres muito simples e muito elegantes. Isso moldou meu olhar. Moda, para mim, não é sobre seguir tendências nem sobre marcas. É sobre como você quer ser vista, como se apresenta ao mundo, como se respeita e exige respeito.”