
Raí carrega no próprio nome a marca de um ídolo que soube construir trajetória consistente, dentro e fora dos gramados. Ex-jogador da seleção brasileira, do São Paulo e do Paris Saint-Germain, ele segue como uma das vozes mais respeitadas do esporte brasileiro, não apenas pelo que fez com a bola nos pés, mas pelo modo como se posiciona de forma equilibrada em relação aos desafios sociais, políticos e culturais do Brasil.
Em visita recente ao País, por causa da inauguração de uma nova escola de panificação na comunidade da Vila Albertina, na Zona Norte de São Paulo – projeto da Fundação Gol de Letra voltado à formação na área de gastronomia –, Raí falou, em entrevista exclusiva à coluna, sobre futebol, racismo, desigualdade e o papel transformador da educação. Mas foi na maneira de articular sua narrativa pessoal com as causas que defende que revelou a profundidade das suas convicções.
Rai: ‘A seleção é do povo, Vini Jr. é um herói e o futebol precisa de formação’
Em visita recente ao Brasil, Raí falou, em entrevista exclusiva à coluna, sobre futebol, racismo, desigualdade e o papel transformador da educação.
Uma dessas causas, que ele abraça com firmeza, é a recuperação do vínculo afetivo e simbólico entre a população e a seleção brasileira. Ao falar do time nacional, Raí não esconde o carinho e o respeito pelo manto verde e amarelo. “A seleção tem de ser de todos. Ela é um símbolo do País. Então, quando a gente fala de política, ou quando se posiciona, não significa que está atacando a seleção. Pelo contrário. A gente quer que ela represente o melhor do Brasil.” Para ele, é justamente esse vínculo simbólico que torna a seleção uma plataforma de responsabilidade social. “Os jogadores têm voz, visibilidade. E isso é poder. Poder de inspirar, de transformar.”
A seleção tem de ser de todos. Ela é um símbolo do País [...] O treinador serve não só para levar o time a ser campeão, mas também para formar atletas – o melhor atleta, não só tecnicamente, fisicamente, mas também taticamente, com visão de jogo.
Raí
A entrevista foi feita antes da confirmação de Carlo Ancelotti como novo treinador da seleção, mas Raí já expressava preocupações em relação à condução do time e à formação de atletas no Brasil. “O treinador serve não só para levar o time a ser campeão, mas também para formar atletas. O melhor atleta, não só tecnicamente, fisicamente, mas também taticamente, com visão de jogo. Acho que o Brasil ficou muito tempo atrás, e agora está correndo para ver se recupera esse tempo. Continuamos com talentos, mas sem organização e sem uma formação qualificada, como existe em outros países. Lá fora, existe essa cultura de formação. Aqui ainda estamos atrasados.”
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Esse senso de responsabilidade social, aliás, é algo que Raí diz ter aprendido desde cedo, dentro de casa. Ele cresceu vendo no genitor uma figura de firmeza e valores. “Meu pai cresceu na periferia de Fortaleza, bem pobre, teve de largar a escola com 13 anos e virou um intelectual autodidata. Com 55 anos, fez três universidades. Ele sempre incentivou e foi muito rígido com a educação. Tivemos uma criação simples, mas com muito valor em casa. A ideia de devolver para a sociedade o que a gente recebeu vem de berço.”

Recentemente, ele concluiu um mestrado em Ciências Políticas na Sciences Po, uma das universidades mais renomadas da França. Foi com esse espírito de valorização da educação que ele criou a Fundação Gol de Letra, que já atendeu 40 mil crianças e jovens em comunidades vulneráveis, oferecendo não só educação, mas também formação profissional e cidadania.
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Mesmo morando fora do País, mantém laços fortes com o Brasil e atua em diversas frentes culturais e sociais também na Europa. “Sou padrinho do projeto de jovens da Ópera de Paris”, contou. Ele também celebrou um novo reconhecimento em solo francês: “Fiquei muito feliz que a prefeita da capital sa, Anne Hidalgo, me chamou para anunciar, agora no dia 26, que serei o padrinho da Paris Plage, a praia de Paris”.
Meu pai cresceu na periferia de Fortaleza, bem pobre, teve de largar a escola com 13 anos e virou um intelectual autodidata. Com 55 anos, fez três universidades. Ele sempre incentivou e foi muito rígido com a educação. Tivemos uma criação simples, mas com muito valor em casa. A ideia de devolver para a sociedade o que a gente recebeu vem de berço.
Raí
Outra marca é a firmeza no posicionamento político, mesmo diante de ambientes conservadores, como o do futebol. Em tempos de polarização, ele defende o direito ao debate. “O Brasil é um país muito injusto. E quem tem o privilégio de ter uma carreira, de conquistar visibilidade, tem também uma responsabilidade. A política está em tudo. Não se posicionar também é uma escolha política.”

Essa postura ganhou ainda mais relevância quando Raí falou sobre o caso de Vinicius Júnior e os ataques racistas sofridos na Europa. “É inaceitável. É péssimo. Isso não pode acontecer, principalmente no esporte, onde tantos atletas negros têm histórias de sucesso”, afirma, visivelmente incomodado. Para ele, o caso de Vini escancara uma ferida antiga que sempre esteve presente, mas agora é mais visível: “Na minha época, era mais escondido. Hoje, está mais escancarado. Isso significa que as pessoas estão falando mais, estão denunciando”.
É inaceitável. É péssimo. Isso não pode acontecer. [...] Vini Jr. é um herói. Um garoto negro, jogando no Real Madrid, sendo protagonista e enfrentando essa batalha, com 20 e poucos anos. Isso é quase sobre-humano. E, mesmo assim, ele continua performando em altíssimo nível.
Raí
Raí não economiza elogios à postura de Vinicius. “Ele é um herói. Um garoto negro, jogando no Real Madrid, sendo protagonista e enfrentando essa batalha, com 20 e poucos anos. Isso é quase sobre-humano. E, mesmo assim, ele continua performando em altíssimo nível.” Para Raí, Vini representa algo que vai além do futebol: “Ele é um dos maiores ativistas do mundo hoje nessa causa. Vai impactar gerações inteiras. Um garoto branco pode olhar para o Vini e começar a pensar diferente. Isso é transformação”.
O Brasil é um país muito injusto. E quem tem o privilégio de ter uma carreira, de conquistar visibilidade, tem também uma responsabilidade. A política está em tudo. Não se posicionar também é uma escolha política.
Raí