
Além de uma obra fotográfica riquíssima, Sebastião Salgado deixa como legado um vasto catálogo de reflexões sobre o mundo que viu, viveu e retratou. Morto aos 81 anos, o fotógrafo era empenhado em chamar atenção para mostrar o que poucas pessoas veem e, ao longo dos anos, falou sobre suas experiências e percepções, sem esquecer sua missão pessoal pela justiça social.
Em entrevista à CNN em 2021, Salgado refletiu sobre a destruição ambiental causada pela exploração humana. “Por muito tempo, construímos nossa sociedade com base nos recursos naturais. Destruímos. Devemos proteger o que não destruímos. Devemos ser inteligentes o suficiente para sobreviver”, declarou.
Na mesma ocasião, o fotógrafo refletiu sobre o caminho escolhido pela sociedade e os perigos de se guiar com base na procura pelo avanço tecnológico. “Não podemos construir nosso futuro – o futuro da humanidade – com base apenas na tecnologia. Devemos olhar para o nosso ado, devemos levar em consideração tudo o que fizemos em nossa história. O ser humano tem uma grande oportunidade: a pré-história da humanidade está na Amazônia agora.”
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Em seu livro de 2021, Amazônia, ele expôs o medo de que, no futuro, suas fotografias se tornassem apenas a memória de um mundo que não existe mais. “[Desejo que] daqui a 50 anos, este livro não se pareça com o registro de um mundo perdido”, escreveu ele na introdução do volume.
Levando sempre a sério sua filosofia de “a fotografia é o espelho da realidade”, Salgado disse à Veja, às vésperas de sua aposentadoria, que sua arte é indissociável de suas crenças pessoais. “A fotografia, assim como o texto, de forma alguma é objetiva, ela é subjetiva. É com a sua ideologia que você fotografa. Em última instância, com a sua maneira de pensar”, afirmou em 2024.
Chamar suas fotografias de “arte”, no entanto, não era algo que agradava Salgado. “Muitos fotógrafos dizem que são artistas. Eu não sou artista, eu sou fotógrafo”, comentou ele ao programa Roda Viva em 2013. A fala deixava claro seu empenho em criar um retrato de um mundo pouco visto e reforçava sua missão de colocar os holofotes sobre aspectos ignorados pelo mundo.
Como qualquer pessoa com o mínimo de renome que se dispõe a expor suas ideologias, o fotógrafo se viu alvo de críticas — às suas falas e ao seu trabalho. Ele, no entanto, não se abalava com a negatividade que lhe era direcionada. “O sistema é dialético, então isso acontece, mas não é meu problema, é problema de quem fala, de quem nunca foi lá onde eu estive, não viu o que vi, não sentiu o que eu senti”, refletiu em entrevista ao jornal O Globo, em 2014.

Essa resistência às críticas se manteve forte, mesmo anos depois. Já aposentado, em 2024, ele declarou à AFP que já não se preocupava com as opiniões que teriam sobre ele e seu trabalho quando ele morresse. “Não tenho nenhuma preocupação nem nenhuma pretensão de como serei lembrado. É minha vida que está nas fotos e nada mais.”
Sua aposentadoria, na realidade, significava apenas que ele não publicaria novos trabalhos, mas que nunca deixaria sua câmera de lado. “O fotógrafo é alguém que não se aposenta, ele vai até o fim fotografando”, disse ele à Veja, no mesmo ano.
Esse sentimento de que ele nunca deixaria a profissão de lado foi reforçada na conversa com AFP. “Uma pessoa vive no máximo 90 anos. Então, não estou longe, mas continuo fotografando, continuo trabalhando, continuo fazendo as coisas da mesma forma”, disse ele, pouco mais de um ano antes de sua morte.
Com décadas de carreira, Salgado deixou seu conselho máximo a outros fotógrafos em Gênesis, seu livro de 2013. No texto, ele pregou que, mais do que um equipamento de ponta, a melhor coisa que um profissional pode ter é paciência. “Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo. É preciso descobrir o prazer da paciência.”