Conheça a exposição Andy Warhol: Pop Art!
A exposição inédita Andy Warhol: Pop Art! estreia em São Paulo nesta quinta, feriado de 1º de maio, no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Pent.
Quando Amber Morgan aceitou trabalhar no The Andy Warhol Museum, 18 anos atrás, ela não fazia ideia do tamanho do acervo que estava prestes a encarar. Das 500 mil peças estimadas - a maior parte ainda em processo de catalogação -, apenas uma fração segue conhecida do público, como as populares imagens das latas de sopa Campbell e os retratos em cores neon da atriz Marilyn Monroe e do cantor Elvis Presley.
No caminho até ocupar o posto de diretora de coleções da instituição, a pesquisadora mergulhou no material, surpreendendo-se com o legado do artista norte-americano. “Sempre há algo novo para se aprender ou descobrir sobre Warhol”, diz. Esse misto de familiaridade e frescor a inspirou no processo de escolha das cerca de 600 obras do museu que compõem a exposição Andy Warhol: Pop Art!, com abertura no dia 1º de maio no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado (MAB FAAP), em São Paulo.

Trata-se da mostra mais abrangente já realizada fora dos Estados Unidos em torno do principal expoente desse movimento que, na segunda metade do século 20, chacoalhou as hierarquias da arte para torná-la mais democrática e ível, em diálogo com um mundo cada vez mais globalizado e influenciado pela força das imagens transmitidas pelo cinema e a televisão.
Todas as obras vieram do museu, localizado em Pittsburgh, cidade natal de Warhol, nos Estados Unidos, após três anos de negociação com o Instituto Totex, fundado por Paulo Bonfá e Roberto Souza Leão e responsável pela organização da mostra no Brasil, com apoio de recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Por segurança, a coleção foi distribuída em três aviões cargueiros distintos.
Ao longo de quase dois meses, técnicos americanos acompanharam a montagem em duas grandes salas que contemplam todos os aspectos das quatro décadas de produção do artista nos mais diferentes meios e linguagens, entre pinturas, colagens, serigrafias, esculturas, instalações, fotografias e vídeos, entre outros.
Segundo a pesquisadora brasileira Priscyla Gomes, responsável pela curadoria ao lado de Amber, essa pluralidade é um reflexo direto de uma concepção expandida da arte. “Para Warhol, o e nunca foi apenas um meio técnico, mas uma extensão da própria lógica de reprodução, circulação e consumo que permeia a cultura contemporânea.
Na primeira galeria, dedicada à fase inicial do americano, se concentram algumas de suas obras mais populares. Em um ambiente repleto de latas e caixas - remetendo a prateleiras e corredores de um supermercado tal como nas primeiras exposições de Warhol -, estão pinturas e serigrafias de celebridades como Marilyn Monroe e Elvis Presley, as esculturas Brillo Box, que emulam embalagens de produtos cotidianos, e alguns frutos de sua atuação como designer comercial, como desenhos de sapatos usados em propagandas e ilustrações para cartões de felicitações.
“Esses trabalhos marcam o caráter disruptivo de Warhol, quando o artista abarca a serialidade como forma de ruptura com a arte estabelecida”, afirma Priscyla. “Seus retratos de celebridades mostram como a fama é construída e consumida. A técnica usada por ele, baseada na repetição e na serigrafia, reforçava essa ideia: assim como uma foto de jornal, o rosto da pessoa era replicado sem fim, até virar quase um padrão. Warhol parecia antecipar que, no mundo moderno, ser famoso era menos sobre quem você é e mais sobre como sua imagem circula.”

A segunda galeria, por sua vez, busca evocar a experiência de Warhol na Factory, um misto de ateliê e estúdio criado por ele nos anos 1960, em Nova York, que se tornou epicentro da efervescência artística americana. O espaço evidencia o caráter múltiplo do artista, a quem também coube o papel de diretor, empresário, editor e cineasta.
Isso se revela em exemplares de sua revista Interview, nas imagens criadas a partir do rosto do líder comunista chinês Mao Tsé-Tung, capas icônicas de disco - como a famosa banana do álbum de estreia da banda The Velvet Underground, agenciada por ele - e na exibição dos cinco episódios de Andy Warhol’s Fifteen Minutes, programa exibido na MTV até sua morte, em 1987, no qual congregou uma constelação de artistas, da “blondie” Debbie Harry à drag queen Lady Bunny e o ator Ian McKellen.
Sua faceta mais reflexiva e existencialista está em séries como Death and Disaster. Na exposição, cadeiras elétricas destinadas à execução de presos surgem ultracoloridas, numa crítica ao fascínio das pessoas com tragédias e mortes. De sua fase madura, está presente uma das telas da série The Last Supper, que reflete as raízes da família de Warhol, de origem austro-húngara e baseada no catolicismo bizantino. Com 3m de altura por 10m de comprimento, a peça incorpora logotipos corporativos e imagens publicitárias à iconografia da última ceia imortalizada por Leonardo Da Vinci.

Fazem ainda parte desse bloco um conjunto de 300 fotos feitas com máquina Polaroid. O registro instantâneo do momento - em especial de si mesmo e das celebridades com as quais se cercava - foi uma de suas obsessões. O ato antecipou em décadas o culto à imagem dos influenciadores digitais. “Somos bombardeados e seduzidos pelas imagens o tempo todo hoje em dia, vivemos em função das imagens dos meios de comunicação, mas principalmente das redes sociais. Então a discussão sobre o uso de imagem e os diferentes meios de se trabalhar com ela já estão no trabalho do Andy Warhol e continuam a ser pensados até hoje”, aponta Marcos Moraes, diretor do MAB.
O desejo do público de se fotografar na exposição e dividir a experiência com seus seguidores foi considerado, como explica Priscyla. “No caso de uma mostra dedicada a Andy Warhol, essa dinâmica não é apenas prevista: ela é, de certa forma, parte essencial do espírito da obra, que sempre esteve ligada à multiplicação da imagem, à produção de ícones e à dissolução da fronteira entre indivíduo e personagem público”, diz. As áreas potencialmente “instagramáveis” apresentam um mural de uma série de papéis de parede criados nos anos 1960 e a instalação Silver Clouds, com balões de ar que flutuam como travesseiros.

De acordo com Amber, Warhol teria adorado a revolução digital atual. “Ele amava televisão e cinema e era fã de conversar ao telefone. Fico imaginando como ele teria reagido aos smartphones. Como ele teria adotado algo como o Instagram, onde poderia simplesmente postar foto após foto?” No entanto, é fácil imaginar que esse uso viria acompanhado por muitas críticas. “Ele sempre teve interesse no lado sombrio das coisas. Mesmo se tivesse gostado disso, também poderíamos ter visto, da parte dele, uma reflexão sobre os impactos negativos que essas novas tecnologias causam à sociedade”, conclui.
A influência de Warhol no Brasil
É evidente o impacto de Andy Warhol e da pop art na produção artística feita no Brasil entre os anos 1960 e 1980. A estética adotada por ele e por nomes como Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Roy Lichtenstein para comentar a cultura de massa e o consumismo nos Estados Unidos desembarcou por aqui com um componente adicional de crítica ao então regime militar do país.
Waldemar Cordeiro, Antonio Dias, Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, Claudio Tozzi e Nelson Leirner foram alguns a reverberar esse espírito. “A Nova Figuração traz a influência do pop estadunidense na produção brasileira, em trabalhos marcados pelo uso de cores saturadas e resgate da cultura popular”, explica a curadora Priscyla Gomes.

Em vida, a aproximação de Warhol com o país se materializou em um retrato feito por ele do jogador de futebol Pelé para a série Athletes, que integra a exposição na Faap. Na década ada, o público brasileiro também pôde conhecer um pouco mais de seu trabalho por meio de duas mostras em São Paulo.
Em 2010, Mr. America ocupou a Pinacoteca com 170 obras para destacar a iconografia americana na obra de Warhol. Já em Superfície Polaroides (1969–1986), realizada em 2012 pelo Museu da Imagem e do Som, foi possível conferir cerca de 300 retratos instantâneos feitos por ele de celebridades como Mick Jagger, Francis Bacon e Jane Fonda.
Bate-pronto
O Estadão fez três perguntas para Amber Morgan, diretora de coleções do The Andy Warhol Museum e cocuradora da exposição Andy Warhol: Pop Art!. Confira:
Quais os maiores desafios de manter uma coleção tão vasta e diversa?
Warhol usava tintas acrílicas nas pinturas. Elas foram inventadas na década de 1930, mas só aram a ser mais utilizadas por artistas nos anos 1960. Mesmo diante de muitos testes, simplesmente não sabemos como será a aparência de uma pintura acrílica com 100 anos, porque ainda não existe nenhuma com essa idade. Outro desafio é evitar danos causados pela luz, que é permanente e irreversível. Warhol gostava especialmente de usar pigmentos neon, que são mais propensos ao desbotamento. Limitamos a exibição desses itens como forma de preservá-los pelo maior tempo possível. No entanto, o maior desafio é o tamanho da coleção, especialmente o material de arquivo, que estimamos conter mais de 500 mil itens individuais. Temos um longo caminho pela frente.
Em geral, a reprodução de uma obra de arte significa sua desvalorização, mas com Warhol isso não acontece. Por quê?
É importante fazer uma distinção entre reprodução e repetição. Mesmo quando Warhol reutiliza e repete as mesmas imagens, ele está criando obras originais. Com a pop art, os artistas se rebelaram contra a ideia de valor, afastando-se daquilo que viam como definições elitistas do que a arte poderia ou deveria ser. Em vez de desvalorizar a obra, a reprodução mecânica ou a defini-la. Com um toque de ironia, a pop art é hoje um dos estilos mais valorizados e procurados no mundo da arte.
Esta é a primeira vez que algumas obras deixarão o museu. O que os convenceu a permitir que elas venham agora?
Em alguns casos, o motivo é que ninguém havia solicitado esses itens antes. Um que nunca havia viajado é Muhammad Ali. Essa obra é incomum porque mostra o artista experimentando com o retrato, dando-lhe um aspecto de degradação. Historicamente as pessoas não se interessavam tanto por esse lado - apenas pelos grandes sucessos -, mas ele mostra o quanto seu estilo evoluiu. Em outros casos, é porque os objetos são novos para nós. Como disse, nosso acervo ainda está sendo catalogado e fotografado. Na exposição há tecidos que simplesmente não estavam disponíveis antes porque ninguém sabia que nós os tínhamos.
Para ficar de olho
A cocuradora Pryscila Gomes indica obras imperdíveis da exposição
The Last Supper (1986)
“Inédita na América Latina, ela chama atenção não somente pelas suas proporções, mas por trazer uma série de temas emblemáticos naquele momento e na trajetória de Warhol. Ele revisita a obra icônica de Leonardo da Vinci para tratar, ao seu modo, da epidemia da Aids, do enfrentamento da morte e dos símbolos da cultura de massa.”
Silver Clouds (1966)
“Essa instalação é uma das experiências mais poéticas e inesperadas do Warhol. São nuvens prateadas infláveis que flutuam pela sala, convidando o público a interagir. É leve, divertido, mas também muito instigante: Warhol brinca com a ideia de que a arte pode ser móvel, imprevisível e quase imaterial.”
Brillo Box (1964)
“São esculturas que parecem caixas comuns de supermercado, mas são uma das obras mais revolucionárias da arte contemporânea. Warhol transforma um objeto banal, de consumo diário, em arte - e, com isso, coloca em xeque o que é valor artístico. ar por essas caixas é uma chance de ver como Warhol derrubou a distância entre o mundo da arte e o mundo do consumo.”
Serviço - Andy Warhol: Pop Art!
De terça a domingo, das 9h às 20h, no MAB Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo). Ingressos de R$ 25 a R$ 70. Até 30 de junho.