“Da morte ninguém escapa: nem o rei, nem a rainha, nem o papa”
A rima reitera uma implacável verdade. O modo mais acertado de lidar com a absurda consciência da finitude é acolher a morte do ator, acentuando, todavia, a permanência do papel ou cargo por ele ocupado. Sobretudo se o morto desempenhou papel central numa corporação integrada ao sagrado, esse irmão da morte. Nessas circunstâncias, repetimos: o rei morreu, viva o rei! O papa morreu, habemus papam! E, nós comuns, sussurramos resignados: morreu o filho, viva a família e o amor…
O ritual de instalação de um novo papa exibe a cisão entre o ator e o papel. Nesse caso, o papel é divino – o papa é o pescador Pedro, designado por Cristo para erguer sua Igreja. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana tem somente um dirigente. Daí a meticulosidade de vestes, gestos, objetos e palavras que cercam o momento de substituir o seu ocupante, pois o papado, como a realeza, é uma instituição exclusiva. Papas e reis não desempenham um papel: eles são o papel.

Ritos são requeridos para colar um mortal na perpetuidade do papado, consagrando a junção do episódico com o eterno. No processo, símbolos de morte – eleitores são fechados à chave e, como mortos, isolados do mundo – invocam num lugar sacrossanto a mediação do Espírito Santo. A ponte que vai inspirar escolhas, porque as preferências são queimadas, como as vontades dos eleitores, nesse singular pleito sem candidatos.
A reclusão reorienta preferências e para dissidências incabíveis quando se trata da escolha de um cargo que, para os católicos, é infalível sobre assuntos de fé.
Na sua substância, o papel de papa não se ancora em princípios que se sabem relativos, datados e falíveis como as teorias de governabilidade das constituições que fundaram os Estados nacionais e as empresas modernas. O fio da navalha na qual transita o papado é o inefável elo entre o finito e o infinito, entre salvação e danação. Não se trata de racionalidade ou de funcionalidade, mas de fé. Daquilo que remove montanhas e revela a nostalgia dos instintos que bloqueiam escolhas, mudança de rumos e liberdade. O que mais impressiona no cargo de papa é o seu comando do eterno e da salvação.
O Espírito Santo santifica o isolamento dos cardeais eleitores. Um papa não pode proteger amigos, esquecendo suas obrigações para com a totalidade da Igreja. Um cargo ocupado por uma pessoa é um cargo sujeito às suas manias. O conclave apara ressentimentos e diferenças. Tendências são aceitas, desde que fortaleçam o todo que é a Igreja. O papa não pode proteger sua ordem religiosa ou nomear parentes e amigos. No caso da Igreja isso levaria ao inferno, como o caso do Brasil bem demonstra.