Este texto contém spoilers da 2ª temporada de The Last of Us
As escolhas de Neil Druckamnn e Craig Mazin, criadores de The Last Of Us, estão dando o que falar. Desde a estreia da 1ª temporada da série-fenômeno da HBO, em 2023, ficou claro que a dupla não estava interessada em copiar o premiado game de PlayStation, e sim em promover uma adaptação fiel, mas com liberdades criativas.
O ciclo inaugural foi um sucesso de público e crítica, conquistando oito prêmios no Emmy Awards, dentre um total de 24 indicações.
A nova etapa do seriado, porém, tem despertado muitas discussões sobre a trama que segue a jornada dramática de Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) através de mundo pós-apocalíptico dizimado pelo letal fungo Cordyceps.
A série alterou a cronologia de alguns eventos para melhor fluidez narrativa e desenvolvimento de personagens. Por isso, alguns fãs mais fervorosos da franquia têm feito críticas e alegado que a produção diminui o impacto oferecido pelo produto original.

“Fizemos algo que é experimentado por milhões de pessoas ao redor do mundo. Quando você faz isso, sabe que irá receber reações muito severas, tanto positivas quanto negativas. Você não pode projetar [as decisões] por meio de um comitê, e definitivamente não pode projetar por meio de milhões de vozes por aí”, explica Druckmann, também um dos criadores do jogo The Last of Us, em coletiva de imprensa virtual que contou com a participação do Estadão.
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Perguntado se leva as críticas em consideração ou se as enxerga como radicalismo puro, ele responde: “Adoro ler esse tipo de coisa [as comparações], pois é uma alegria ver o alcance que os videogames atingiram. Levamos a sério cada que vemos por aí. (...) Quanto mais faz sentido, nós escutamos. Quanto menos faz, menos escutaremos”.
Ao relacionar ambas as mídias, o produtor/diretor diz que nenhuma delas é “definitiva”. “Cada versão tem seus méritos. É meio que perguntar: ‘é a versão em quadrinhos do Batman, a versão de Christopher Nolan ou a de Tim Burton?’. São todos Batman. São todos maravilhosos à sua maneira. E todos têm algumas coisas que você pode não gostar”, afirma.
Logo no começo da temporada atual, que chega ao fim no próximo domingo, 25, as motivações da antagonista Abby (responsável pela morte brutal de Joel) são reveladas, ao contrário do que acontece no videogame, onde o jogador as desvenda de forma gradativa. Os detratores acreditam que tal decisão afetou o mistério da saga.
“Algumas das mudanças são apenas escolhas criativas que queríamos tentar algo um pouco diferente. E há certas coisas que simplesmente não funcionariam na série”, diz Druckmann. “Agora eu posso desfrutar essa história com meus pais, que nunca jogariam um videogame”, acrescenta.

Neste ano, a paixão entre Ellie e Dina (Isabela Merced) começa a florescer com tom leve e descontraído, ao invés do clima sombrio adotado no game, onde o relacionamento delas é estático por um longo período de tempo.
“No jogo queríamos que você, quando está jogando com a Ellie, carregasse uma solidão. E sentimos que isso não seria o caminho certo para a série”, observa o programador israelense-americano. “Bella está interpretando de uma maneira um pouco diferente da [interpretação de] Ashley Johnson, onde a dor estava mais presente. Não há nada de errado nisso. São apenas interpretações diferentes. Algo seria perdido se apenas copiássemos”.
Amor, trauma e perdão
Outra transformação de destaque no programa tem sido a expansão de personagens que inexistem ou não foram tão explorados na atração virtual.
No primeiro ano, há o fatídico capítulo que mostra a história de amor do casal Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett). Agora, há inclusões como a terapeuta Gail (Catherine O’Hara) e seu marido Eugene (Joe Pantoliano), figura central no sexto episódio, exibido em 18 de maio.
Registrado em formato de flashback, o capítulo 6 também traz uma conversa emocionante de Joel, adolescente, com seu pai, interpretado por Tony Dalton (o Lalo Salamanca de Better Call Saul) nos anos 1980, bem antes da epidemia acontecer.
“Queríamos voltar no tempo e ver onde Joel adquiriu seu complexo de salvador. Seria uma sequência bem maior, tivemos versões onde você veria o pai abusando deles. Mas quanto mais debatíamos, mais interessante parecia focar apenas na conversa. Tony Dalton é o cara mais charmoso e intimidador da televisão atualmente. Também há essa ideia de que, como pais, há alguns paralelos com fazer arte, onde você faz o seu melhor e não sabe ao certo se fez um bom trabalho ou não”, analisa Neil.

O segmento se conecta diretamente com a cena derradeira do episódio, que no jogo é posicionada no final da história. Nesta agem tocante, Joel e Elie discutem os acontecimentos de Salt Lake City. Na ocasião, ele matou dezenas de pessoas em um hospital ao saber que a garota, única imune ao Cordyceps, teria que morrer em prol do desenvolvimento de uma cura para a doença.
“Funcionou muito bem para o jogo [ter a cena no final]. Ali, você pode levar 30 horas para jogar, você decide o ritmo de como quer experimentar essa história. Na série, os episódios são entregues semanalmente e então, como sabíamos que não terminaríamos a história nesta temporada, há potencialmente uma lacuna de vários anos até que essa história continue. Fez sentido antecipar essa conversa e dar contexto a temas como trauma e perdão”, justifica o criador.
Druckmann disse que abordou o encontro entre os dois protagonistas como se nunca mais pudéssemos vê-los juntos na tela e, ao projetar a próxima temporada da série, fugiu de spoilers. “Posso adiantar que não vai ser apenas cheio de ação porque isso não é The Last of Us. The Last of Us é drama. Nós usamos a ação para mover o drama adiante", finaliza.