BRASÍLIA — O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou as estimativas de arrecadação e gastos públicos para os próximos quatro anos. O cenário indica um colapso nas contas públicas em 2027, primeiro ano do próximo mandato presidencial.
É como se a máquina pública sofresse um “apagão” e o governo ficasse sem dinheiro para pagar despesas básicas, como conta de luz e aluguel, até serviços essenciais para a população, como cirurgias e socorro em desastres naturais. As contas também colocam o arcabouço fiscal na berlinda, mesmo com o pacote de corte de gastos aprovado em 2024.
As despesas obrigatórias, como aposentadorias, salários e benefícios sociais instituídos por lei, vão crescer nos próximos anos, segundo as estimativas do Executivo. Consequentemente, as despesas discricionárias (não obrigatórias) vão cair e o governo vai ficar sem dinheiro para honrá-las. Essas despesas incluem o custeio da máquina pública, os investimentos, as emendas parlamentares e até mesmo muitas despesas essenciais, como de saúde e educação.
Em valores porcentuais, as despesas obrigatórias consomem 92% do Orçamento atualmente, sem contar as despesas com juros da dívida. Em 2027, elas ariam para 95,4%, forçando o governo a congelar salários e contratações. Além disso, não seria possível manter a máquina pública funcionando com menos de 5% para as despesas de custeio e investimento.
Com as despesas crescendo, o endividamento público cresce. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que reúne governo federal, INSS, Estados e municípios, está em 76,2% do PIB atualmente, deve atingir o pico de 84,2% do PIB em 2028 e só depois começar a se estabilizar, chegando a 81,6% do PIB em 2035, de acordo com as estimativas da equipe econômica.
“Chegou o momento que em 2027, seja quem for o presidente da República, não governa com esse arcabouço fiscal, com essas regras fiscais, sem gerar inflação, dívida pública e detonar a economia”, disse a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em entrevista à GloboNews no dia 13 de março. Ela defendeu um corte de gastos entre novembro e dezembro do próximo ano, após as eleições, seja quem for o presidente eleito.

Na terça-feira, 15, os técnicos do governo reforçaram a avaliação. “A partir de 2027, há um comprometimento que precisa ser endereçado e, neste momento, com as projeções apresentadas, não foi endereçado”, afirmou o secretário de Orçamento Federal, Clayton Luiz Montes, durante a coletiva de imprensa para anunciar o projeto da LDO. “O valor não comporta todas as necessidades do Poder Executivo.”
A Previdência Social é o grupo que representa o maior gasto do governo federal, sem contar as despesas financeiras com a dívida pública. O aumento real (acima da inflação) do salário mínimo pressiona as aposentadorias, que são atreladas ao valor do piso, e também outros benefícios, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
No ano ado, o governo aprovou uma regra que limita o ganho real do salário mínimo. O valor continua sendo reajustado pela inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB dois anos antes, mas não pode crescer mais do que 2,5% ao ano acima da inflação — o mesmo teto de despesas do arcabouço. Na prática, a regra faz com que essas despesas tenham um crescimento menor, porém, elas ainda crescem. O aumento no número de beneficiários também acaba pressionam cada vez mais as contas.
Outro fator de pressão são as emendas parlamentares, recursos indicados por deputados e senadores no Orçamento da União. No ano ado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o pagamento de emendas apontando falta de transparência e desrespeito às regras fiscais.
O governo propôs um limite para o crescimento dos rees nos próximos anos, mas acabou aprovando regras que garantem um aumento real para as transferências de interesse dos deputados e senadores. Resultado: com um orçamento cada vez mais , as emendas vão tirar recursos de outras áreas e consumir o orçamento do governo.
O governo é obrigado a gastar valores mínimos em saúde e educação. Parte desses pisos é bancada com as emendas parlamentares. As projeções indicam que, após pagar as despesas obrigatórias, as emendas e os pisos de saúde e educação, não sobrará mais dinheiro para nada. Em 2027, o cenário é ainda mais alarmante: não haveria nem recurso para bancar os pisos e todas as emendas.
Além das despesas, o governo tem outro desafio com o que deixa de arrecadar devido à renúncia de receitas. Os chamados gastos tributários são subsídios e isenções concedidos a empresas e pessoas físicas. A União deixa de coletar aqueles impostos em prol daquele benefício, que é incentivar um setor da economia, por exemplo.
Os principais gastos tributários correspondem ao Simples Nacional, à agricultura e aos rendimentos isentos do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). As renúncias devem somar R$ 648 bilhões em 2026 e atingir R$ 706 bilhões em 2029.
Mesmo com esse cenário, o governo diz que fechará as contas no azul nos próximos anos. A projeção é ancorada em uma expectativa de aumento da arrecadação de impostos e na decisão do STF que deixou parte das despesas com sentenças judiciais (os chamados precatórios) fora do teto de gastos e da meta fiscal que o governo deve perseguir para equilibrar receitas e despesas.
No lado da arrecadação, porém, as estimativas não se concretizaram nos últimos anos. No lado das despesas, os precatórios devem voltar integralmente para os limites a partir de 2027.
Analistas dizem que ou o governo faz um forte ajuste fiscal ou terá de mudar a regra fiscal após as eleições de 2026. Técnicos da equipe econômica dizem que novas medidas poderão ser apresentadas em agosto, quando o Poder Executivo enviará o Orçamento do próximo ano para o Congresso.
Por outro lado, o corte de gastos saiu do radar do presidente Lula, que priorizou para a segunda metade do mandato a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e medidas de crédito para impulsionar a economia.