
Na avaliação da economista Solange Srour, o recuo da equipe econômica na ideia de tributar com Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) aplicações de fundos de investimentos no exterior foi positivo. Se o governo não tivesse voltado atrás, o impacto seria muito maior, com um mercado financeiro muito estressado. “Ficaria sempre a sensação de que o governo também não escuta.”
O problema, afirma Solange, é que o governo fica com a credibilidade “arranhada”. Ela diz que a mensagem que a equipe econômica a é que as medidas não são debatidas nem estudadas.
“A credibilidade fica arranhada pelo fato de o governo ter feito uma medida com um impacto relevante sem ter estudado bem antes e usar um imposto regulatório para fins arrecadatórios”, diz Solange, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Como a sra. avalia as medidas anunciadas na quinta-feira, 22?
Certamente, o governo tinha a intenção de trazer mais credibilidade às expectativas sobre o seu resultado primário. Acho que houve uma tentativa bastante positiva de dimensionar melhor as despesas e receitas e, dada essa realidade mais cruel em relação aos números projetados anteriormente, havia a necessidade não só de um bloqueio e contingenciamento mais significativos, mas também de um aumento de arrecadação. O grande problema é que esse aumento de arrecadação foi feito num imposto regulatório, que traz uma enorme distorção quando ele é elevado abruptamente para os setores em que afeta.
E a sra. como avalia a decisão de aumentar o IOF?
Especificamente em relação aos investimentos no exterior, o governo certamente não levou em consideração o impacto que isso teria na indústria de fundos no Brasil. É uma indústria que é super relevante para a economia, porque canaliza a poupança dos brasileiros para investimentos também. Matar uma indústria de fundos como a do Brasil acaba afetando não só os preços dos ativos, mas, em última instância, a economia.
Qual é a mensagem que fica do recuo?
Acho que o recuo foi positivo. Realmente, foi um recuo muito rápido, mas ficou uma sensação, apesar do entendimento e das explicações − mais das explicações do que do entendimento −, de que não era essa a intenção. Uma parte do estrago já foi feita e é difícil remediar, que é a percepção que o mercado tem de que as medidas não são debatidas com pessoas de mercado, com pessoas que entendem o funcionamento do mercado financeiro.
Qualquer medida que afete o crédito e o câmbio, e que impacta muito o mercado financeiro precisa ser conversada com gente do mercado. Entendo que existe necessidade do sigilo, mas há pessoas que entendem de mercado e trabalham no governo. Acho que seria bastante positivo que elas fossem bem escutadas antes das medidas saírem, porque, uma vez que já foi feita, mesmo com o recuo, fica sempre a sensação de que outras podem surgir, eventualmente, em momentos mais difíceis e, de novo, pode não haver essa conversa antes. A conversa precisa ser priorizada.

O governo perdeu credibilidade?
Acho melhor ter recuado do que não ter recuado. Se não tivesse recuado, hoje (sexta-feira) a gente poderia estar vendo um mercado muito mais disfuncional, com uma volatilidade muito maior. Ficaria sempre a sensação de que o governo também não escuta. Poderia ter sido bem pior se não tivesse recuado. A credibilidade fica arranhada pelo fato, como falei, de o governo ter feito uma medida com um impacto relevante sem ter estudado bem antes e usar um imposto regulatório para fins arrecadatórios.
Essa situação também mostra que o Brasil não tem a disposição de atuar no verdadeiro problema, que seria mudar regras dos gastos obrigatórios. Algumas regras podem ser mudadas sem precisar ar por PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Acho que o pente-fino poderia estar dando resultados. Então, essa é uma perda de credibilidade também, de evitar o caminho mais doloroso e impopular, ainda que essas medidas possam estar sendo estudadas, como foi afirmado na coletiva. Estão sendo estudadas, mas não a ponto de serem implementadas. Já medidas arrecadatórias são tomadas sem serem muito bem estudadas antes.
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E qual será o impacto das mudanças do IOF para a economia como um todo?
O impacto do IOF no crédito é de aperto das condições financeiras. Reforça o aperto que já ocorreu e que está ainda ocorrendo por causa da política monetária. Traz um certo conforto para o Banco Central, já que ele está prestes a parar (o ciclo de alta de juros). Se viesse uma medida na direção contrária, a parada ficaria mais difícil.
Na verdade, estamos vendo (outras) medidas de estímulo ao crédito, mas, se viesse mais uma, não traria mais conforto para o Banco Central em tatear a parada. Essa medida ajuda, porque aumenta a probabilidade e, talvez, a intensidade da desaceleração da economia.
Quais podem ser outros impactos?
O custo de remeter para o exterior aumenta. Então, o investidor vai pensar duas vezes antes de remeter. Agora, se isso vai aumentar as remessas ou não, é um grande ponto de interrogação, porque a medida encarece a remessa, mas ela traz também um perigo de vir outras medidas. Ela traz uma expectativa de que novas medidas poderão ser feitas nesse sentido. Então, em algum momento, pode estimular a saída. Se o IOF vai aumentar ainda mais, é melhor pegar um IOF ainda mais baixo, ainda que ele não seja zero. Esse impacto no fluxo de câmbio vai depender muito da perspectiva ou da expectativa do investidor de novas medidas. Vai depender muito, obviamente, do que eles esperam sobre o médio prazo, sobre o processo eleitoral e a probabilidade de aprovar reformas. É um impacto que eu diria mais incerto. No crédito, é um impacto muito mais certo do que o impacto do IOF no câmbio.
E quanto tempo o Brasil aguenta sem fazer as reformas necessárias na área fiscal?
Depende do cenário internacional. Se o cenário internacional é mais benigno para emergentes, apenas com dólar mais fraco, sem risco de recessão profunda nos Estados Unidos, sem risco de uma grande desaceleração da China, você ganha um tempo até que um próximo governo venha com as reformas.
Agora, se até lá esse cenário sofrer mudanças, se a gente tiver, por exemplo, uma crise maior na questão da dívida americana, ou se houver uma desaceleração muito mais abrupta de China, ou se as tarifas voltarem para patamares muito mais altos depois dessas negociações que estão ocorrendo, ou se houver algum evento geopolítico, com tantos pipocando em várias regiões, esse cenário desmonta. E o Brasil fica extremamente vulnerável por não estar fazendo o seu dever de casa e protelando reformas.
Então, acho que esse tempo está sendo visto no Brasil, principalmente pelos investidores locais como um tempo que o mercado internacional está dando para a gente. Se o País vai conseguir levar até o final desse mandato, é um grande ponto de interrogação.