Algo paradoxal está acontecendo no Brasil à vista de todos, e que deveria ser tratado como uma inversão moral de prioridades. Assistimos há pouco a milhares de prefeitos marchando a Brasília para exigir a liberação de apostas online em nível municipal, como se fosse algo saudável para resolver as finanças públicas. No entanto, não estamos nos dando conta de que o Brasil está prestes a repetir um dos piores erros em políticas públicas: legalizar um vício sem dar a devida atenção a todos os seus aspectos e antes de estruturar um sistema para tratar suas consequências.
A ânsia arrecadatória fácil está provocando o que se pode chamar de “cegueira fiscal seletiva” ou, até em tom mais grave, de “economia da regressão ética” – quando se alia e se tributa a destruição silenciosa da renda das famílias e da saúde mental coletiva. Nada além do que um paradoxo arrecadatório, porque se busca arrecadar criando situações que, a médio e longo prazos, trarão um ivo social e custos de saúde física e mental muitos maiores.
Segundo dados do Banco Central, os brasileiros movimentam entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões por mês em apostas online. São estimados em mais de 2 milhões de pessoas, com sintomas que vão de depressão à compulsão financeira. Dados internacionais indicam que os custos sociais do jogo podem chegar a 1% do PIB. Se aplicarmos isso ao Brasil, falamos de um impacto anual potencial entre R$ 30 bilhões e R$ 100 bilhões.

Quem pagará essa conta? Realmente, não aprendemos com o ado. Gastamos bilhões de reais para combater o tabagismo. Em 2023, apenas 9,3% da população adulta era fumante, uma queda monumental frente aos 34,8% de 1989, graças a um programa de combate estruturado, campanhas nacionais e políticas preventivas. Ainda assim, o custo do tabagismo ao País é de R$ 153,5 bilhões por ano, 17 vezes superior à arrecadação com impostos do setor.
Agora, com as bets, o Brasil parece caminhar no sentido inverso: estimula-se o vício antes de avaliar o seu impacto. O SUS não está preparado. Não há campanhas de conscientização. Não há infraestrutura para tratar a ludopatia. O IBGE apenas iniciou sua pesquisa para medir os impactos das apostas no orçamento das famílias.
Enquanto isso, o Bolsa Família está sendo parcialmente drenado via Pix para plataformas de apostas, muitas sediadas no exterior. Arrecadação não pode justificar destruição. O Brasil não precisa de mais uma epidemia silenciosa. Precisamos de coragem moral para regular com responsabilidade, proteger os vulneráveis e construir uma arrecadação sustentável e ética.