Os debates do XI Seminário Anual de Política Monetária do IBRE-FGV trataram de duas importantes questões da política monetária hoje no Brasil: a internacional e a fiscal.
O evento, organizado pelo economista José Júlio Senna, à frente do Centro de Estudos Monetários do IBRE, aconteceu na sexta-feira, 23/5, e foi aberto com uma apresentação por videoconferência (seguida de uma sessão de perguntas e respostas com a audiência) de Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central (BC). Também houve uma apresentação presencial de Paulo Picchetti, diretor de assuntos internacionais e de gestão de riscos corporativos do BC. Os debates do seminário foram mediados por este colunista.
A primeira questão surgiu no inicial do evento, que contou com Fernanda Guardado, ex-diretora do BC e economista-chefe do BNB Paribas, Tiago Berriel, ex-diretor do BC e economista do BTG-Pactual e o próprio Senna. Guardado e Berriel convergiram em mostrar certa apreensão com a ênfase da comunicação recente do BC no risco baixista para a inflação de "uma desaceleração global mais pronunciada decorrente do choque de comércio e de um cenário de maior incerteza", como consta da ata da última reunião do Copom.
Guardado apontou que o momento internacional conturbado deve ser considerado "com muitos grãos de sal", e não se sobrepõe à questão da demanda doméstica - mesmo com todo o aperto monetário até agora levado a cabo, atividade e mercado de trabalho permanecem mais aquecidos do que o desejável para a convergência da inflação à meta.
O risco baixista no cenário internacional deriva de uma possível desaceleração mais forte da economia global, na esteira da guerra comercial de Trump e da incerteza causada pela forma errática com que o presidente dos Estados Unidos, impõe, adia, reduz ou cancela aumentos de tarifas de importação de rivais e aliados. Dois canais frequentemente mencionados sobre essa possível tendência desinflacionária são as commodities, afetadas pela demanda global (e que já deram sinais iniciais de desaquecimento) e a eventualidade de a China despejar nas outras economias os manufaturados barrados nos Estados Unidos.
Mas há dúvidas e mais dúvidas sobre todos esses fatores. Como enfatizaram os economistas no primeiro do seminário, desde a reunião do Copom (ponto de referência da ata) se reduziu muito a preocupação com uma possível recessão mundial, com - entre outros fatores - Trump negociando um acordo bem mais razoável de tarifas com a China.
Por outro lado, commodities em queda podem ajudar o Brasil no front inflacionário, mas atrapalhar em relação a arrecadação e setor externo (com potencial impacto no câmbio). O risco de estagflação nos EUA, por sua vez, pode manter os juros elevados na economia central, o que também é negativo para a percepção de risco de emergentes como o Brasil. Novamente, é no câmbio e em juros domésticos elevados (que via dívida pública realimentam o risco, com novos rebatimentos no câmbio) que reside o risco nesse caso.
Finalmente, caso a China de fato inunde outras economias com manufaturados que iriam para os EUA (cenário que se torna menos intenso com a recente negociação tarifária entre os dois grandes rivais), não se sabe se a economia política no Brasil, num governo com pendores desenvolvimentistas, não levaria a mais proteção a setores industriais domésticos atingidos. O que poderia mitigar ou até anular a desinflação importada da China.
Sobre a questão do risco desinflacionário internacional, Senna ponderou que o tratamento dado à questão na última ata do Copom reflete o momento da reunião (6 e 7 de maio), quando o temor de recessão global estava muito mais exacerbado do que agora.
O segundo e último debate do seminário foi, de certa forma, complementar ao primeiro. Dele participaram Sérgio Werlang, ex-diretor do BC, assessor da presidência e professor da FGV e sócio da Sarpen Quant Investments, Rodrigo Azevedo, ex-diretor do BC e sócio da Ibiúna Investimentos, e Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional e economista-chefe do Santander.
O tema do segundo foram as interações entre política monetária e política fiscal. Os três debatedores convergiram - como seria de se esperar - para o diagnóstico de que o BC fica numa situação muito frágil sem uma ação mais decidida do governo para consertar o desequilíbrio fiscal estrutural e para evitar a tentação de acelerar a economia com medidas parafiscais na reta para o ano de eleições presidenciais.
O vínculo entre os dois painéis do seminário é que a questão fiscal estrutural não resolvida, somada ao aquecimento da economia e à inflação e expectativas inflacionárias muito acima da meta, representa um risco cuja intensidade, relativamente a outros riscos (como a eventualidade da desaceleração global mais intensa), deveria ser mais enfatizada pela comunicação do Banco Central.
Uma questão paralela, em que Werlang polemizou com Azevedo e Vescovi, é o tamanho da meta de inflação no Brasil. Já há bastante tempo Werlang - com base, em parte, em papers do renomado economista Aloísio Araújo e colegas - defende a ideia de que a meta de inflação no Brasil deveria ser na casa de 4,5%, e não 3%, como de fato é. A razão é a rigidez do regramento fiscal do Brasil, com impedimentos constitucionais e legais de toda sorte ao ajuste fiscal estrutural. Em função dos diversos canais por meio dos quais o desarranjo fiscal é inflacionário, na visão de Werlang, a meta de 3% leva a política monetária a ficar pesadamente contracionista por períodos demasiadamente prolongados, com prejuízos à atividade e ao próprio equilíbrio fiscal (via juros reais da dívida).
Azevedo e Vescovi ponderaram que essa argumentação é mais um motivo para centrar esforços em reformar o regramento fiscal, e não para trabalhar com uma meta de inflação maior do que a de boa parte dos países emergentes mais equilibrados macroeconomicamente, como Chile e México.
Mas Werlang frisou que a mudança por ele defendida só poderia se dar com a casa fiscal relativamente estabilizada em termos conjunturais, o que não é o caso hoje em dia. Mudar as metas nas atuais circunstâncias poderia rebater imediatamente nas expectativas, contaminando a inflação corrente, de forma contraproducente. Ainda assim, o economista acha válido que o BC hoje mire um ponto acima da meta central de 3%, que tem um intervalo de tolerância até 4,5%.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast excepcionalmente na segunda-feira, 26/5/2025.