WASHINGTON - O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Pierre-Olivier Gourinchas, alerta para os impactos do tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para a economia global. Neste momento, os riscos para a perspectiva estão inclinados para baixo, tanto no curto quanto no médio prazo, diante de incertezas prolongadas no comércio global, conforme ele.
“Embora muitos dos aumentos tarifários programados estejam suspensos por enquanto, a combinação de medidas e contramedidas elevou as taxas tarifárias americanas e globais a níveis recordes”, diz ele, no relatório Perspectiva Econômica Mundial (WEO, na sigla em inglês) do FMI, publicado nesta terça-feira, 22.
Gourinchas alerta, contudo, que o contexto para os aumentos das tarifas é “muito diferente”. A economia global é caracterizada por um elevado grau de integração econômica e financeira, com cadeias de suprimentos e fluxos financeiros cruzando o mundo. Um potencial desmantelamento pode constituir uma “importante fonte de turbulência econômica”, segundo ele.

“Diante da crescente incerteza sobre o o aos mercados, a reação inicial de muitas empresas será pausar, reduzir o investimento e cortar compras”, alerta o economista. “Da mesma forma, as instituições financeiras vão reavaliar sua oferta de crédito às empresas, até que possam avaliar a exposição destas ao novo ambiente”, acrescenta.
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De acordo com ele, a combinação do aumento da incerteza e o consequente aperto das condições financeiras representam um “choque negativo” na demanda global e pesarão sobre a atividade como tem se refletido nos preços do petróleo. Já no médio prazo, o dólar pode se desvalorizar, e mercados cambiais podem apresentar forte volatilidade. “Isso pode ser difícil de istrar, especialmente para economias de mercados emergentes”, diz Gourinchas.
Nesse contexto, ele afirma que a política monetária deve permanecer à frente da curva diante de múltiplos desafios como, por exemplo, expectativas de inflação menos ancoradas. “Em todos os casos, a credibilidade do quadro de política monetária e da sua pedra angular, a independência do banco central, permanecerá fundamental”, conclui.
O FMI cortou quase pela metade a projeção de crescimento do comércio global neste ano. O organismo espera uma expansão de 1,7% em 2025, uma queda de 1,5 ponto porcentual em relação à sua projeção anterior. “Essa previsão reflete o aumento das restrições tarifárias que afetam os fluxos comerciais e, em menor grau, os efeitos decrescentes de fatores cíclicos que sustentaram o recente aumento do comércio de bens”, diz o FMI, no relatório.
O fundo espera que os saldos globais em conta corrente se contraiam ligeiramente. No ano ado, os volumes cresceram em meio ao aumento dos desequilíbrios internos e uma retomada do comércio global de bens. “No médio prazo, espera-se que os saldos globais se contraiam”, reforça o organismo, com sede em Washington.
PIB global
O FMI faz um alerta para o “momento crítico” que a economia global atravessa e que deve resultar em menor crescimento e mais inflação nos próximos anos como reflexo das tarifas de Trump. O organismo não projeta, contudo, recessão em seu cenário base.
O FMI espera que a economia mundial cresça 2,8% neste ano, projeção 0,5 ponto porcentual menor que a anterior, divulgada em janeiro. Para o próximo ano, a expectativa ou para uma alta de 3,0%, contra estimativa de avanço de 3,3%.
“Esperamos que o forte aumento em 2 de abril, tanto nas tarifas quanto na incerteza, leve a uma desaceleração significativa do crescimento global no curto prazo”, diz Gourinchas.
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, já havia antecipado que fundo faria “cortes notáveis em suas projeções”, em discurso na semana ada.
“Os rebaixamentos são generalizados entre os países e refletem, em grande parte, os efeitos diretos das novas medidas comerciais e seus efeitos indiretos, por meio de repercussões nos vínculos comerciais, aumento da incerteza e deterioração do sentimento”, explica o fundo, no relatório.
EUA e China
Como parte de suas revisões, o FMI tirou 0,9 pp da projeção de alta do PIB dos EUA e vê expansão de só 1,8% neste ano. No próximo ano, as tarifas devem continuar pesando no desempenho da maior economia do mundo, que tende a desacelerar ainda mais, para uma alta de 1,7%, ante 2,1% de sua estimativa anterior, prevê o fundo.
“A revisão para baixo é resultado de maior incerteza política, tensões comerciais e uma perspectiva de demanda mais fraca, dado o crescimento do consumo mais lento do que o previsto”, justifica o organismo.
Por sua vez, o PIB chinês deve crescer 4,0% em 2025, uma queda de 0,6 pp em relação à estimativa anterior do FMI. O organismo vê a economia chinesa expandindo-se também no ritmo de 4,0% em 2026, o que representa uma queda de 0,5 pp.
O fundo avalia que o apoio fiscal adotado por países como China e alguns outros da zona do euro pode compensar parte do impacto negativo das tarifas no crescimento econômico.
Cenário alternativo
Em paralelo, o FMI publicou dois cenários alternativos às tarifas de Trump. Sem considerá-las, o crescimento global seria de 3,2% para 2025 e 2026, uma redução de 0,1 pp em cada ano ante as projeções de janeiro último.
Já em um segundo cenário, o fundo projeta crescimento de 2,8% da economia mundial neste ano e de 2,9% no próximo exercício. A projeção é similar ao cenário de referência do FMI, mas isola as tarifas das consequências no mercado e da incerteza gerada. “As perdas na China e nos Estados Unidos se tornariam maiores em 2026 e além, enquanto os ganhos em outras regiões diminuiriam, levando a resultados globais mais fracos do que a previsão de referência”, explica o FMI.
Para o fundo, a incerteza em torno das políticas comerciais devem permanecer elevadas neste e no próximo ano.
Inflação global
O FMI está mais cético com o comportamento dos preços nas economias diante dos possíveis impactos da disputa tarifária gerada pelas novas alíquotas recíprocas dos Estados Unidos. O maior efeito virá nas economias avançadas, enquanto em mercados emergentes, são esperados reflexos distintos, conforme o organismo.
A inflação global deve alcançar 4,3% neste ano e 3,6% em 2026, conforme o relatório divulgado nesta terça-feira.
O FMI elevou a sua expectativa de inflação para as economias avançadas em 0,4 ponto porcentual para este ano. No caso dos EUA, a projeção foi elevada em 1 pp e no do Reino Unido em 0,7 pp. “O Reino Unido e os Estados Unidos destacam-se tanto pela direção como pela magnitude das suas revisões”, diz o fundo.
Já no caso das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, os ajustes do organismo foram mistos. Na China, a expectativa é de que os preços fiquem contidos, enquanto Europa emergente e em desenvolvimento, Rússia e Ucrânia tiveram revisões para cima.
O FMI diz ainda que na América Latina e no Caribe, os ajustes para cima para Bolívia, Brasil e Venezuela foram compensados por revisões para baixo para Argentina e outros países. O fundo acabou reduzindo sua projeção para 2025 em 0,3 pp para 2025.
O fundo espera que a inflação convirja para a meta antes nas economias avançadas, atingindo 2,2% em 2026, enquanto em mercados emergentes e em desenvolvimento, o indicador cairá para 4,6% neste período. Na sua visão, a perspectiva dos preços melhorou, mas ainda não retornou totalmente aos padrões pré-pandêmicos e está sujeita a alta incerteza pelo tarifaço de Trump.
“As expectativas de inflação podem se tornar menos ancoradas com um novo choque inflacionário tão próximo do anterior”, alerta Gourinchas.