BRASÍLIA – O governo Luiz Inácio Lula da Silva conta com a aprovação do projeto de lei (PL) da reciprocidade na Câmara dos Deputados como forma de dar sustentação jurídica ao País a responder à imposição de tarifas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Integrantes do governo envolvidos na negociação defendem que Lula não pode fazer o embate sozinho e deve trazer consigo o Legislativo, governadores e o setor privado, para que a resposta seja unificada e de Estado – representando todo o País, e não apenas o governo federal do PT.

O governo espera e vai apoiar uma tramitação rápida do projeto, retirado da gaveta no Congresso e adaptado para a nova realidade com Trump.
Originalmente, ele havia sido impulsionado no Senado pela bancada ruralista contra exigências ambientais aprovadas na União Europeia (UE), que poderiam fechar mercados a produtores do Brasil – sobretudo o regulamento EUDR – se identificados cultivos em área de desmatamento.
Após pressões internacionais, a UE adiou a entrada em vigor dos mecanismos de punição da lei, voltada às cadeias de gado, madeira, cacau, soja, óleo de palma (azeite de dendê), café e borracha.
Estão no horizonte do governo, além da tarifa americana de 25% sobre aço e alumínio, as tarifas sobre o etanol e a madeira, entre outros.
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Integrantes do governo se queixam de falta de previsibilidade e existe temor de que o tarifaço se alastre, dentro do argumento de Trump de considerar amplos setores como cruciais para a segurança nacional americana.
O republicano diz que impõe tarifas para convencer indústrias a se estabelecerem no país e produzirem internamente, uma forma de garantir autossuficiência em setores-chave. No governo, há quem veja uma inspiração no modelo chinês.
O governo observa se haverá uma imposição de tarifas generalizada ou casos específicos a cada país - e ao Brasil.
Até agora, o governo adotou uma estratégia de minimizar os embates de viés mais político – apesar de declarações do próprio presidente – e apostar na negociação. O governo pretende insistir nessa via de “gastar todas as palavras do dicionário”, mesmo após os anúncios de tarifas recíprocas desta quarta-feira, dia 2, o “Dia da Libertação”, segundo Trump. A retaliação, porém, segue na mesa como opção do presidente Lula.
A poucas horas do anúncio de Trump, o chanceler Mauro Vieira conversou nesta quarta com o representante de Comércio dos EUA, o embaixador Jamieson Greer. Eles combinaram mais reuniões para a próxima semana, reforçaram a manutenção do diálogo, segundo interlocutores a par do telefonema. O diplomata americano não antecipou detalhes.
A nova rodada de conversas se derá em nível ténico, com diplomatas e especialistas em comércio exterior, de forma virtual.
A negociação bilateral já envolve representantes do Itamaraty, como o embaixador Mauricio Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros, que viajou na semana ada a Washington com uma equipe para reuniões com representantes da gestão Trump.
Além disso, do Brasil foram mantidos diálogos com seus homólogos pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

O governo ou as últimas semanas identificando setores em que poderia retaliar os EUA, para que a eventual resposta não se transforme num “tiro pela culatra” e prejudique ainda mais economia nacional. Mas ainda não trabalha com um prazo.
Recurso à OMC
Lula continua a dar sinais claros de que o governo vai recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e, em seguida, pretende aplicar a lei da reciprocidade, se não houver uma solução que satisfaça o lado brasileiro. Uma possibilidade é a retaliação cruzada, como em propriedade intelectual.
O recurso é uma ação simbólica, que reforça a via da OMC e o discurso do multilateralismo, estratégia usada também pela China. A organização até pode dar autorização para o Brasil agir - embora o caso tenda a ficar no limbo quando chegar ao órgão de apelação, paralisado por falta de indicação dos EUA desde 2019.
O governo Lula teme efeitos políticos, e interlocutores do presidente e do vice-presidente, ouvidos reservadamente pelo Estadão, defenderam que haja a busca de unidade.
O Planalto calcula que o recurso é relevante pois dará ao governo legitimidade para responder e argumentos também na disputa política interna e quanto na externa. O Brasil é claramente a parte mais frágil na disputa, argumenta um embaixador.
Na prática, mesmo que na primeira ou segunda instâncias da OMC o Brasil ganhe direito de retaliar, integrantes do governo brasileiro avaliam que Trump deve ignorar a organização. O Brasil já tem desde 2022 uma lei que autoriza a Câmara de Comércio Exterior (Camex) a aplicar sanções se o caso estiver pendente na terceria e última instância recursal na OMC.
O setor do etanol, por exemplo, rejeitou a possibilidade de reduzir a tarifa atualmente em 18%, citado pela Casa Branca e pelo USTR (Escritório do Representante de Comércio do Estados Unidos) como exemplo de tarifa aplicada de forma desproporcional.
Tudo isso ocorre num cenário de dificuldades de interlocução em alto nível político. Lula e Trump jamais se falaram e, embora o brasileiro tenha dito durante a recente viagem ao Vietnã que não teria problema em telefonar para o americano, isso jamais ocorreu. Uma conversa virtual começou a ser especulada pelo lado brasileiro ainda em 2024, mas não houve abertura ados cinco meses da eleição do republicano.
Para um integrante do governo, Trump colocou em marcha uma lógica de negociação baseada em três elementos: incerteza, medo e espetáculo. Segundo ele, é difícil achar coerência nas decisões – e os EUA não se importam com isso, dada a assimetria de poder entre países. Por isso, haveria recuos, idas e vindas, que geram incerteza e medo, além de ações com viés de um “show” – como vem sendo preparado o anúncio desta quarta.
Lula e seus conselheiros receiam o que consideram humilhações impostas a presidentes como o colombiano Gustavo Petro, na deportação de imigrantes, por meio das redes sociais, e o ucraniano Volodmir Zelenski, ao discutir a guerra durante recepção conflituosa frente às câmeras no Salão Oval.
Acrescentam ainda que Trump opera com rivalidades internas dentro do próprio governo e que o círculo decisório é ao próprio e poucos conselheiros. Por isso, temem o alcance das conversas de Alckmin como Howard Lutnick (secretário de Comércio) e Jamieson Greer (representante de Comércio).
Ainda, ressaltam que Trump negocia com os países, mesmo os aliados, isolando temas e buscando concessões e vantagens em cada um e não observa o contexto geral, o que poderia tornar pouco convincentes argumentos do Brasil - como o da longa parceria hemisférica e o do saldo comercial positivo aos EUA.
A realidade é uma balança comercial deficitária para o Brasil, desde 2009. No ano ado, o saldo dos EUA foi positivo em US$ 283 milhões.
A interpretação de embaixadores do Brasil é que não seria de interesse do setor privado americano porque importa carvão siderúrgico e exporta o aço semiacabado, porque encareceria custos e preços. Eles contam com esse lobby contrário interno privado.
A estratégia vem sendo explicar a falta de lógica, na visão brasileira, tentar um compensação em outro setor, o trade off, e somente depois pensar na retaliação.
Uma avaliação de Palácio do Planalto é que a imposição de tarifas “ainda é pouco” diantes de solavancos que a relação pode ar, sobretudo na esfera política, por meio de campanhas do bolsonarismo em favor de que Trump inicie um enfrentamento mais claro e questionamentos ao Judiciário brasileiro.