BRASÍLIA - O principal produto do Banco Master, os CDBs lançados a juros bem acima do que o mercado oferece para captar recursos, consumiria 42% do patrimônio líquido do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que funciona como um seguro do sistema financeiro para socorrer clientes de bancos, em caso de quebra.
Segundo dados do Banco Central, o Master e suas controladas tinham R$ 45,6 bilhões em depósitos a prazo em junho de 2024, a grande maioria deles CDBs, enquanto o balanço do FGC mostra que o fundo tem R$ 107,8 bilhões para socorrer os correntistas.

O valor total dos depósitos a prazo, na verdade, pode ser maior, porque o Banco Master ainda não soltou o seu balanço consolidado de 2024, incluindo os ivos de suas controladas, os bancos Voiter e Will Bank. O mercado aguarda esses números, para saber o tamanho do ivo total do banco atrelado a esses CDBs.
Cerca de metade dos CDBs emitidos pelo Master e suas controladas irão migrar para o Banco de Brasília (BRB), caso a aquisição do Master, anunciada na sexta, seja fechada. Em conversa com o Estadão, o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, afirmou que, quando esses papéis vencerem, eles serão rolados a taxas de mercado, e não pagando taxas de juros muito acima do CDI, como é feito hoje pelo Master.
“Isso vai significar um risco a menos para o sistema e também vai melhorar o balanço do BRB ao longo do tempo”, afirmou.
Ao mesmo tempo, disse Costa, a migração desses CDBs para o BRB, um banco de estrutura maior, vai dar mais segurança para investidores que compraram os papéis.
“Os CDBs fazem parte da estrutura que vem para o BRB. Isso é uma grande vantagem para os investidores, uma vez que receberão taxas mais altas por uma captação com risco bem menor do novo conglomerado”, afirmou Costa em conversa com o Estadão neste domingo.
Antes disso, porém, negócio precisa ar pelo crivo do Banco Central (BC). Os documentos que darão início ao processo de análise foram entregues à autoridade monetária na sexta, 29, às 23:59.
A resolução do BC determina que a operação precisa ser analisada num prazo de 360 dias. Dentro da instituição, contudo, ninguém acredita que levará todo esse tempo.
Mais sobre Master e BRB
Dúvida sobre a empresa que ‘fica para trás’
Como o Master será incorporado pelo BRB, mas apenas parcialmente, a dúvida é sobre o que vai acontecer com o pedaço da empresa que ficará para trás, entre elas o banco Voiter e o braço do grupo que concentra participações em empresas.
O cenário que se desenha é de que essas unidades de negócios ficarão com ativos que não despertaram interesse do BRB, como por exemplo, a carteira de precatórios.
As companhias ligadas ao Master que ficarem de fora do negócio também terão de honrar os ivos do banco, como os CDBs com altas taxas de juros que não migrarem ao BRB.
O montante de ativos e ivos “deixados para trás” é de cerca de R$ 23 bilhões, de acordo com Paulo Henrique Costa.
Senador tentou subir cobertura do FGC
O FGC é um fundo que cobre o risco para correntistas em até R$ 250 mil. Essa “cobertura” foi usada como propaganda por bancos pequenos e médios para vender CDBs com altas taxas de retorno.
Em agosto, durante a tramitação da proposta de autonomia do Banco Central, uma emenda apresentada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) propôs a elevação do valor coberto pelo FGC de R$ 250 mil por F para R$ 1 milhão. Operadores do mercado bancário viram na iniciativa uma tentativa dos bancos menores de aumentar o risco para o fundo.
O argumento do senador, apresentado na exposição de motivos, era o de “incentivar maior competitividade” no setor bancário contra “o monopólio dos serviços para as instituições mais tradicionais e maiores”.
Ciro argumentou que elevar o seguro para R$ 1 milhão colocaria o Brasil mais perto do patamar dos Estados Unidos, uma vez que lá a garantia é de US$ 250 mil dólares, o que seria equivalente a R$ 1 milhão. Procurado pela reportagem, ele não quis se manifestar.
A proposta foi rechaçada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). O argumento é que o limite de garantia atual, de R$ 250 mil, cobre mais de 99% dos depositantes e cerca de 50% das aplicações.
“A elevação dessa garantia para R$ 1 milhão não teria impacto algum na proteção de depositantes e investidores vulneráveis, mas, por outro lado, aumentaria o custo das instituições financeiras com efeitos negativos na oferta e no preço das operações de crédito. Ademais, a elevação da garantia ordinária aumentaria o risco moral, facilitando a alavancagem excessiva de parte das instituições financeiras e potencializando a formação de crises bancárias”, afirma a nota das associações de bancos.
Entenda o uso do FGC
Em 2021, o Banco Central ou a exigir que os bancos que dependem muito da emissão e venda de títulos baseadas na propaganda do FGC fizessem uma contribuição extra para o fundo. Já em julho de 2024 entrou em vigor outra norma para moderar a emissão desses produtos, principalmente de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs).
Para especialistas, o FGC ou a ser usado pelas plataformas de investimento como propaganda para vender produtos arriscados aos clientes, sem se preocupar com o efeito negativo que isso gera sobre o sistema financeiro.
Como mostrou o Estadão, bancos menores estavam usando o FGC para captar dinheiro no mercado oferecendo taxas de retorno de até 140% do CDI, bem acima do oferecido por grandes bancos, cuja rentabilidade não a de 100% do CDI.
A reação do BC veio como resposta a uma avalanche desse tipo de captação, que ficou popular em plataformas de investimentos, mas colocou em alerta o governo e o sistema bancário. O temor se acentuou depois que o Congresso ou a discutir um aumento do valor segurado pelo FGC para esse tipo de aplicação.
A propaganda deste tipo de investimento diz que, em caso de quebra do banco emissor que vendeu o CDB, o cliente conta com a cobertura pelo FGC, que indeniza até R$ 250 mil por F.
Entidade privada sem fins lucrativos, o FGC garante os depósitos e aplicações por meio de uma contribuição equivalente a 0,01% do valor depositado em ativos garantidos, como conta corrente, poupança, CDBs e letras de crédito imobiliário e agrícola. Ou seja, todos pagam, mas quem está usufruindo da propaganda são os bancos menores e mais arriscados, que assim conseguiram turbinar sua captação de dinheiro.
Bancos médios e pequenos, fora do topo da cadeia financeira, aram a responder por 24% do total de aplicações com garantia do FGC. Em 2019, o porcentual era menor, de 16,7%.
Essas aplicações são majoritariamente CDBs: 83% do valor segurado das instituições menores são CDBs e RDBs (um tipo de título de menor expressão). Como comparação, nos bancos maiores, esse porcentual é próximo de 50%.