As raízes roraimenses de Samir Xaud, o novo presidente da CBF
Presidente da CBF vem de família ligada à política de Roraima. Xaud foi goleiro na adolescência, é faixa-preta em Jiu-Jitsu e ‘coach’ certificado de Crossfit.
BOA VISTA – Nas ruas de Boa Vista (RR), o time mais citado pelos transeuntes é o Flamengo, do Rio de Janeiro. É raro alguém que seja torcedor exclusivo de algum dos dez times do Estado, ligados à Federação Roraimense de Futebol, a FRF. A falta de popularidade se reflete no esporte local: as equipes são modestas, com a maioria treinando em campos públicos; a arbitragem era amadora até recentemente; e o campeonato local tem público reduzido.
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A FRF é comandada há 42 anos, desde 1983, por José Gama Xaud, o Zeca Xaud, de 80. Zeca é pai do médico infectologista Samir Xaud, de 41 anos, que deve ser eleito presidente da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, neste domingo (25). A eleição de Samir está assegurada pelo apoio de 25 das 27 federações estaduais de futebol do País. Na eleição para o comando da CBF, os votos dos dirigentes de federações têm peso 3, enquanto os dos clubes da Série A têm peso 2, e da Série B têm peso 1.
Na prática, Samir Xaud toca o dia a dia da Federação Roraimense desde 2023, quando o pai foi eleito para o 14º mandato à frente da Federação roraimense. Segundo os presidentes de clubes locais com os quais o Estadão conversou, a gestão de Samir trouxe avanços para o futebol local. A atração de patrocinadores privados para o campeonato estadual e a contratação de arbitragem profissional são citadas como as principais melhorias.
A sede da FRF fica num prédio de dois andares, localizado numa das principais avenidas do bairro Aparecida, em Boa Vista. Desde a última quarta-feira (21), o local estava fechado em todas as ocasiões em que foi visitado pela reportagem do Estadão – segundo a direção da FRF, o expediente presencial só retorna na segunda-feira (26). Ao contrário do que ocorre em outros Estados, a FRF não tem site próprio e nem mesmo um número de telefone fixo – apenas uma página de Instagram com um número de celular para contato.

Sob o comando de Zeca Xaud, Roraima foi o último Estado do País a profissionalizar o futebol, em 1995. Ou seja, até então os times eram formados por pessoas que não eram pagas para jogar e tinham outras atividades profissionais – algo que existe até hoje no Estado, segundo pessoas ligadas ao esporte.
Desde a década de 1970, os jogos do campeonato estadual de Roraima são disputados no Estádio Flamarion Vasconcelos, o Canarinho, com capacidade para 4.500 pessoas. Nos últimos dois anos, a capacidade máxima do estádio ou a ser atingida na final. Mas, na maioria dos jogos, o mais comum é que o público se limite a algumas centenas de torcedores. Os ingressos podem ser comprados antecipadamente, online. Para uma partida da Série D do Brasileirão, o ingresso custa R$ 11.

Dos dez clubes de Roraima, só dois têm centro de treinamento próprio: o São Raimundo, também chamado de ‘Mundão’; e o Monte Roraima, que já nasceu como uma SAF (Sociedade Anônima de Futebol). O Real, time da cidade de São Luiz (RR), chegou a começar a construir um CT, mas as obras estão inacabadas.
Todos os outros times – inclusive o atual bicampeão do Estado, o Grêmio Atlético Sampaio – se dividem entre os poucos campos disponibilizados pelo governo do Estado e pela prefeitura de Roraima. Entre eles estão a Vila Olímpica Roberto Marinho, mantida pela Prefeitura de Boa Vista; o Estádio Raimundo Ribeiro de Souza, o Ribeirão, do governo do Estado; e o campo Rei Pelé, no bairro Pintolândia, na prefeitura da cidade. Este último chega a alagar na época do chamado inverno amazônico, de dezembro a junho.

“O que falta aqui realmente é um pouco mais de investimento do poder público, tanto do governo do Estado quanto da prefeitura, nos espaços de treinamento. Não chega a dar conflito de agenda, mas a estrutura poderia melhorar”, reconhece o presidente do Atlético Roraima, Denner Andrew Pinheiro dos Santos, de 39 anos.
“É fácil criticar o futebol de Roraima por não ser tão desenvolvido quanto o dos grandes centros. Nós aqui na região Norte, e também no Nordeste, precisamos de um pouco mais de apoio para poder avançar. Espero que o Samir consiga viabilizar isso na CBF”, diz Denner.
Segundo dirigentes dos clubes locais, era comum no ado recente que os clubes “desistissem” das competições no meio do campeonato.

“Acontecia muito isso, de o clube quebrar e deixar de pagar salário dos jogadores. Até por isso o Zeca Xaud era contra federar novos clubes, para evitar essa situações”, conta Cláudio Germano Silva Lima, de 41 anos, o Cacau, diretor do Monte Roraima Futebol Clube. Criado já no modelo de SAF, o Monte Roraima dispõe de um CT moderno em Boa Vista – mas se trata de uma exceção no cenário do futebol local.
A falta de recursos também obrigava a maioria dos atletas a trabalhar fora do futebol para se manter.
“No meu tempo (de jogador), até 2006, a gente tinha dois trabalhos. Quase todo mundo era assim. 80% dos jogadores trabalhavam. Mas hoje em dia, graças a Deus, a maioria não trabalha mais fora (do futebol). Acontece ainda, mas é raro. Diria que 3% ou 4% (dos jogadores)”, conta o ex-jogador Raul Carneiro, de 47 anos.

Ele atribui a mudança à injeção de dinheiro recente no futebol de Roraima, por parte de empresários interessados em patrocinar o esporte local. Carneiro foi campeão roraimense pelo Baré e pelo Atlético Roraima. Até o ano ado, era diretor do Rio Negro.
No Ranking Nacional de Federações (RNF) da CBF, a Federação Roraimense aparece em 24º lugar atualmente, à frente apenas de Amapá, Mato Grosso do Sul e Rondônia. O ranking é baseado no desempenho dos clubes filiados à federação nos últimos cinco anos, em competições nacionais. Atualmente, a FRF soma 1.671 pontos. Esse resultado se deve às campanhas dos times São Raimundo, o “Mundão”; Grêmio Atlético Sampaio, o GAS; Náutico e Baré.
Como mostrou o Estadão, Samir Xaud vem de uma família tradicional na política de Roraima. A mãe, Ilma de Araujo Xaud, foi vice-reitora da Universidade Estadual de Roraima e secretária de Educação da prefeitura de Boa Vista e do governo do Estado, nas gestões do ex-governador Ottomar Pinto, do antigo PTB. Além do futebol – ele foi goleiro na adolescência –, Samir gosta de correr de kart, é faixa-preta em jiu-jítsu e instrutor certificado de crossfit. Em Boa Vista, é dono de um centro de treinamento da modalidade, além de uma academia e uma clínica de medicina esportiva.

A reportagem do Estadão procurou a FRF para comentários por meio de um dos diretores da entidade, Darkson Leal, mas a Federação resolveu não se manifestar.
Entidade movimenta R$ 2,4 milhões por ano
Sem site, a FRF não publica por conta própria seus balanços anuais de despesas e receitas. Em maio deste ano, porém, os documentos foram publicados no site da CBF. Em 2024, a Federação Roraimense captou R$ 2,47 milhões e gastou um pouco mais que isso: R$ 2,67 milhões. A maior parte das receitas veio de ree da própria CBF: R$ 1,4 milhão. A rubrica de “outras receitas” somou R$ 1,06 milhão.
Segundo as informações do balanço, a entidade gastou R$ 468 mil em “despesas istrativas” no ano ado, e mais R$ 316,5 mil em “material de consumo”. As competições de futebol amador e profissional consumiram R$ 1,65 milhão; e a compra de material esportivo somou R$ 260,7 mil. As contas foram aprovadas pelo Conselho Fiscal da entidade e pelos presidentes dos clubes.

Além dos rees para a federação, a CBF também manda dinheiro para a realização do “Roraimão”, o campeonato estadual. Em 2023, último ano disponível, a entidade nacional reou R$ 1,37 milhão para o campeonato. Naquele ano, a receita total do Estadual foi de R$ 1,58 milhão, enquanto as despesas para a realização do evento foram de R$ 1,06 milhão.
Com apenas dez times federados, o Campeonato Estadual de Roraima dura em média dois meses – três, se incluída a pré-temporada. Este ano, a disputa terminou em abril, com o GAS derrotando o Monte Roraima nos pênaltis por 4 a 3. Com a vitória, o GAS sagrou-se bicampeão roraimense (2024-2025). Além da disputa principal, há também a competição feminina e categorias de base.
Nos últimos dois anos, em 2024 e 2025, o campeonato ou a ter também patrocinadores privados. No ano ado, a disputa foi batizada de Campeonato Roraimense Sicredi, em função do apoio do Sistema de Cooperativas de Crédito – é o mesmo patrocinador do Campeonato Paulista. Em 2024, o principal apoio foi da empresa de ônibus roraimense Asatur, da família da deputada federal Helena Lima (MDB), a Helena da Asatur.