O que estão compartilhando: que, após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) levar água da Transposição do São Francisco ao Nordeste, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “desativou” a Transposição, já que não há água nas cascatas da Barragem de Jati (CE).
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. As cascatas da barragem estão sem água da Transposição porque o governo do Ceará não pediu liberação de água. O fluxo do São Francisco segue um planejamento anual, em que cada Estado pede uma determinada quantidade de água. No caso cearense, graças às chuvas deste ano, 60 açudes transbordaram no Estado e, atualmente, há 41 deles vertendo água. As reservas estão com 55% do volume total. Isso quer dizer que o Ceará no momento consegue suprir sua própria demanda de água sem precisar da Transposição.
O vídeo investigado foi usado em uma publicação do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que faz uma série de alegações falsas sobre a Transposição, incluindo a de que Lula desativou a estrutura. Ele foi procurado, mas não respondeu.

Saiba mais: Como já mostrou o Verifica em diversas ocasiões, a Transposição do Rio São Francisco foi uma obra pensada no período do Império, que começou a ser executada no segundo governo Lula e atravessou várias gestões.
Quando Bolsonaro assumiu o mandato, em 2019, a obra estava com mais de 90% da execução física pronta. As obras foram concluídas no governo dele, mas não é correto afirmar que o ex-presidente foi o responsável por “levar água ao Nordeste”, nem que o atual governo paralisou a Transposição.
Água é liberada nos canais conforme a demanda
As águas do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) não correm pelas cascatas da Barragem de Jati, no Ceará, pelo menos desde o dia 4 de abril deste ano. Mas, isso não significa que a Transposição tenha sido fechada, e sim que não está havendo demanda por águas do Rio São Francisco no local.
As águas do PISF não são demandadas nem liberadas continuamente nos canais da Integração – elas seguem um planejamento anual aprovado pela Agência Nacional de Águas (ANA), que considera vazões mínimas e máximas mensais conforme a necessidade de cada Estado.
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O planejamento para 2025 mostra que o Ceará não estipulou uma vazão mínima de água do São Francisco no Reservatório de Jati – cujas cascatas aparecem no vídeo checado – em nenhum dos meses deste ano. Mas o Estado determinou uma vazão máxima que, atualmente é de 50 litros por segundo, o que deve se manter até junho.
Isso significa que, se o Estado não conseguir suprir suas demandas com os recursos hídricos locais, ele poderá pedir a liberação de águas do PISF até a vazão máxima estipulada para aquele local.
Esta vazão, contudo, só será liberada se o Estado pedir ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), o que ainda não aconteceu.
“O PISF garante a segurança hídrica do Estado”, disse o ministério. “Isso quer dizer que se o Estado não conseguir suprir as demandas dele com os recursos hídricos locais, ele solicitará a liberação de águas do PISF até o limite máximo descrito na tabela”.
“Como não houve solicitação de liberação de água, isso demonstra que até o momento as demandas do Estado estão sendo supridas com os próprios recursos hídricos locais, o que demonstra que ele está cumprindo o planejamento realizado”, completou a nota.
Esta demanda não é a mesma todos os anos: em 2022, o Ceará só demandou água em novembro, e em 2023, apenas até o mês de julho. O MIDR explicou que as águas são distribuídas com o intuito de suprir déficits hídricos não atendidos com recursos locais.
“O sistema PISF funciona, portanto, sob demanda, e não como uma rede de abastecimento de água convencional em que a água é entregue de modo ininterrupto”, explicou.
No momento, segundo a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), não há nenhum município no Ceará com racionamento de água.
De acordo com a Cogerh, um outro ponto que serve de distribuição das águas do PISF para o Ceará tem uma demanda maior, de liberação de 600 litros de água por segundo na Barragem de Porcos, em Brejo Santo. Mas nem toda essa água precisa vir, necessariamente, do Rio São Francisco, já que é considerado nesse cálculo o acúmulo de água da chuva.
Cascatas da Barragem de Jati estão sem água desde abril
O vídeo viral investigado mostra as cascatas da Barragem de Jati, no Ceará, sem água, em um conteúdo gravado no dia 11 de maio de 2025. As imagens foram feitas a partir de uma das pontes da rodovia CE-153, que a por cima dos canais do PISF.
No mesmo dia, o blogueiro Erivando Aventuras, que costuma postar vídeos dos canais da Transposição, gravou imagens no mesmo local e disse que não corria água pelas cascatas desde o dia 4 de abril. Poucos dias antes, em 30 de março, ele esteve na mesma ponte e mostrou que havia água nas cascatas, afirmando que ainda não tinham deixado de correr por lá em 2025.
Ele fez outros vídeos no mesmo lugar e, no dia 16 de abril, afirmou não saber oficialmente o motivo de não haver água correndo pelas cascatas, mas sugeriu que tivesse relação com a quadra chuvosa que havia atingido o Ceará e enchido os reservatórios pelo Estado. De fato, as chuvas encheram reservatórios (leia mais abaixo).
As imagens a seguir, captadas pelo satélite Sentinel-2, do Ecossistema de Espaço de Dados Copernicus, da União Europeia, mostram o mesmo ponto nos dias 13 de março e 9 de abril de 2025. O filtro aplicado dá destaque à presença de cursos d’água, e mostra que havia água nas cascatas na primeira imagem, mas não havia na segunda:


O Verifica questionou o MIDR sobre a razão da paralisação do fluxo de água. Em nota, o MIDR disse que os canais mostrados no vídeo estão sem receber água no momento porque não há demanda.
“O Ministério enfatiza que todos os reservatórios estão em condições operacionais para atendimento aos estados e segue à disposição para a liberação das águas do PISF, caso seja necessário. Apenas para o Estado do Ceará foram entregues mais de 1,5 milhão de m³ de água apenas em 2025”, disse a nota.
Diferentemente do que diz o vídeo checado pelo Verifica, não foi apenas no atual governo a água deixou de correr no local. Em 2020, na gestão Bolsonaro, houve um rompimento na tubulação da barragem e 2 mil pessoas que vivem no entorno precisaram sair de casa. Após o reparo, a água voltou a correr no local, mas houve mais interrupções em 2021.
Em 2022, Bolsonaro inaugurou a Estação de Bombeamento EBI-3 e as águas voltaram às cascatas, e em outubro houve mais uma paralisação, que só se encerrou em dezembro. No início de 2023, já no governo Lula, a EBI-3 foi fechada para o reparo em uma motobomba com vibração excessiva, problema detectado no ano anterior. Em 2024, o mesmo ponto foi alvo de desinformação quando a barragem ava por uma manutenção programada.
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Chuvas no Ceará permitiram acúmulo de água em reservatórios
Apesar de não haver água correndo pelas cascatas da Barragem de Jati, a região não está desabastecida. De acordo com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará, não há nenhum município cearense com racionamento de água no momento.
“Em 2025, 60 açudes dos 157 monitorados pela Cogerh sangraram. Atualmente, 40 reservatórios continuam vertendo, com o Ceará tendo 55% do volume total das reservas”, disse a Companhia.
Na tarde desta quarta-feira, 14, este mapa da própria Cogerh mostrava 41 açudes sangrando, e não 40. Um deles é o açude Orós, o segundo maior do Ceará, que não enchia há 14 anos, como mostrou o Estadão.
Dos 157 açudes cearenses, além dos 41 vertendo água, 13 estavam em situação considerada “muito crítica”, ou seja, com até 10% do volume de água armazenado. Outros 17 tinham situação “crítica” – entre 10,1% e 30% do volume. Mais 17 tinham situação considerada de “alerta”, com volume entre 30,1% e 50%. A situação era considerada “confortável” em 22 açudes (de 50,1% a 70% do volume de armazenamento) e “muito confortável” em 47 deles (70,1% a 100% do volume).
Essa variação na situação dos açudes se dá ao fato de que as chuvas, apesar de abundantes, não terem sido tão bem distribuídas no Estado. Esta reportagem do Diário do Nordeste mostra como o excesso de chuva no litoral e a falta dela no Sertão Central preocupava produtores no mês de março.
Dados desta quarta-feira, 14, do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), do governo federal, mostram que o Ceará tinha 36 municípios em situação de emergência: 23 por estiagem, seis por seca, cinco por chuvas intensas, um por enxurradas e um por vendaval. Nenhum deles fica nas imediações da Barragem de Jati.