Caro presidente Trump,
Há pouquíssimas iniciativas que o senhor empreendeu desde que assumiu o cargo com as quais concordo — exceto em relação ao Oriente Médio. O fato de o senhor viajar para a região na próxima semana e se encontrar com os líderes da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Catar e não ter planos de se encontrar com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu em Israel me sugere que o senhor está começando a entender uma verdade vital: que este governo israelense está se comportando de maneiras que ameaçam os interesses mais profundos dos Estados Unidos na região. Netanyahu não é nosso amigo.
Mas ele achou que conseguiria fazer o senhor de bobo. É por isso que estou impressionado com a forma como o senhor lhe sinalizou, por meio de suas negociações independentes com o Hamas, o Irã e os houthis, que ele não tem poder sobre o senhor — que o senhor não será seu laranja. Isso claramente o deixou em pânico.
Não tenho dúvidas de que, em geral, o povo israelense continua a se considerar um aliado firme do povo americano — e vice-versa. Mas este governo israelense ultranacionalista e messiânico não é aliado dos EUA. Porque este é o primeiro governo na história de Israel cuja prioridade não é a paz com mais vizinhos árabes e os benefícios que mais segurança e uma coexistência melhor ocasionariam. Sua prioridade é anexar a Cisjordânia, expulsar os palestinos de Gaza e restabelecer assentamentos israelenses nos territórios palestinos.

A noção de que Israel tem um governo que não se comporta mais como um aliado dos EUA — e que não deve ser considerado como tal — é como um remédio amargo e chocante para os amigos de Israel em Washington engolirem, mas eles têm de engolir.
Porque ao buscar sua agenda extremista este governo de Netanyahu está minando os nossos interesses. O fato de não permitir que Netanyahu o atropele, como ele fez com outros presidentes americanos, é um crédito para o senhor. Também é vital defender a arquitetura de segurança americana que seus antecessores construíram na região.
A estrutura da atual aliança entre os EUA, os países árabes e Israel foi estabelecida por Richard Nixon e Henry Kissinger após a Guerra do Yom Kippur, de 1973, para expulsar a Rússia e tornar os EUA a potência global dominante na região, o que desde então tem servido aos nossos interesses geopolíticos e econômicos. A diplomacia Nixon-Kissinger forjou os acordos de desescalada de 1974 entre Israel, Síria e Egito. Esses acordos lançaram as bases para o tratado de paz de Camp David. Camp David lançou as bases para os Acordos de Paz de Oslo. O resultado foi uma região dominada pelos EUA, por seus aliados árabes e por Israel.
Mas toda essa estrutura dependeu, em grande medida, do compromisso dos EUA e de Israel com algum tipo solução de dois Estados para a questão palestina — um compromisso que o senhor mesmo tentou promover em seu primeiro mandato com seu próprio plano para um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia, adjacente a Israel — sob a condição de que os palestinos concordassem em reconhecer Israel e aceitassem que seu futuro país fosse desmilitarizado.
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O atual governo de Netanyahu, no entanto, fez da anexação da Cisjordânia sua prioridade quando assumiu o poder, no fim de 2022 — bem antes da invasão cruel do Hamas em 7 de outubro de 2023 — em vez de trabalhar pela arquitetura de segurança e paz liderada pelos EUA para a região.
O governo Biden implorou por quase um ano que Netanyahu fizesse uma coisa pelos EUA e por Israel: concordasse em abrir diálogo com a Autoridade Palestina (AP) sobre uma eventual solução de dois Estados, com uma AP reformada em troca da normalização das relações da Arábia Saudita com Israel. Isso abriria caminho para a aprovação no Congresso de um tratado de segurança entre EUA e Arábia Saudita para contrabalançar a influência do Irã e bloquear a China.

Netanyahu recusou-se, porque os judeus supremacistas em seu gabinete disseram que, se o fizesse, eles derrubariam seu governo — e sendo julgado por múltiplas acusações de corrupção, Netanyahu não pôde se dar ao luxo de abrir mão da proteção do cargo de primeiro-ministro para prolongar seu julgamento e evitar uma possível pena de prisão.
Assim, Netanyahu colocou seus interesses pessoais à frente dos interesses de Israel e dos EUA. A normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, a potência muçulmana mais importante — erguida a partir de um esforço para forjar uma solução de dois Estados com palestinos moderados — teria aberto todo o mundo muçulmano a turistas, investidores e inovadores israelenses, aliviado as tensões entre judeus e muçulmanos em todo o mundo e consolidado as vantagens dos EUA no Oriente Médio, colocadas em curso por Nixon e Kissinger, por pelo menos uma década.
Depois de Netanyahu enrolar todo mundo por dois anos, tanto americanos quanto sauditas desistiram, segundo relatos, do envolvimento de Israel no acordo — uma verdadeira perda tanto para os israelenses quanto para o povo judeu. A Reuters noticiou na quinta-feira que “os EUA não estão mais exigindo que a Arábia Saudita normalize as relações com Israel como condição para o progresso nas negociações de cooperação nuclear civil”.
E agora a coisa pode piorar. Netanyahu está se preparando para tornar a invadir Gaza com um plano para concentrar a população palestina em um canto minúsculo, com o Mar Mediterrâneo de um lado e a fronteira com o Egito do outro — enquanto também avança com a anexação de facto da Cisjordânia com cada vez mais velocidade e amplitude. Ao fazer isso, Netanyahu será responsável por mais acusações de crimes de guerra contra Israel (e particularmente contra seu novo chefe do Estado-Maior do Exército, Eyal Zamir), das quais Bibi espera que seu governo o proteja.

Eu não simpatizo de nenhuma maneira com o Hamas. Acho que o Hamas é uma organização doentia, que causou enormes danos à causa palestina. O Hamas é enormemente responsável pela tragédia humana em Gaza hoje. A liderança do Hamas deveria ter libertado seus reféns e deixado Gaza há muito tempo, eliminando qualquer desculpa para Israel retomar os combates.
Mas o plano de Netanyahu de tornar a invadir Gaza não implica em erguer uma alternativa moderada ao Hamas, liderada pela Autoridade Palestina, implica numa ocupação militar israelense permanente, cujo objetivo não declarado será pressionar todos os palestinos a sair de lá. Essa é a receita para uma insurgência permanente: o Vietnã no Mediterrâneo.
Numa conferência patrocinada pelo jornal religioso sionista B’Sheva, em 5 de maio, o ministro das Finanças de extrema direita de Israel, Bezalel Smotrich, falou como um indivíduo que não se importa com o que os demais pensam: “Estamos ocupando Gaza para ficar”, disse ele. “Não haverá mais entra e sai.” A população local ficará espremida em menos de um quarto do território da Faixa de Gaza.
Conforme observou o especialista militar Amos Harel, do Haaretz: “Já que o Exército tentará minimizar as baixas, analistas esperam um uso de força particularmente agressivo, o que causará danos extensos à infraestrutura civil que ainda resta em Gaza. O deslocamento da população para as áreas dos campos de refugiados, combinado com a contínua escassez de alimentos e medicamentos, pode ocasionar mais mortes em massa de civis. (…) Mais líderes e autoridades israelenses podem ser objeto de processos judiciais pessoais.”
De fato, essa estratégia, se for executada, pode não apenas acarretar mais acusações de crimes de guerra contra Israel, mas também ameaçar inevitavelmente a estabilidade da Jordânia e do Egito. Esses dois pilares da aliança dos EUA no Oriente Médio temem que Netanyahu pretenda expulsar os palestinos de Gaza e da Cisjordânia para os seus territórios, o que certamente fomentaria uma instabilidade que ultraaria suas fronteiras, mesmo que não fossem os próprios palestinos que o fizessem.
Isso nos prejudica de outras maneiras. Conforme me disse o ex-assessor político sênior do Comando Central dos EUA Hans Wechsel: “Quanto mais desesperadoras as coisas parecerem para as aspirações palestinas, menor será a prontidão na região para expandir a integração de segurança entre os EUA, os países árabes e Israel, que poderia garantir vantagens de longo prazo sobre o Irã e a China — e sem exigir tantos recursos militares dos EUA na região para se sustentar”.
Em relação ao Oriente Médio, o senhor tem bons instintos independentes, presidente. Siga-os. Caso contrário, o senhor precisará se preparar para uma realidade iminente: seus netos judeus serão a primeira geração de crianças judias a crescer em um mundo em que o Estado judaico é um Estado pária.
Deixo-o com as palavras do editorial do Haaretz de 7 de maio:
“Na terça-feira, a Força Aérea Israelense matou nove crianças, com idades entre 3 e 14 anos. (…) O Exército israelense disse que o alvo era um ‘centro de comando e controle do Hamas’ e que ‘medidas foram tomadas para mitigar o risco de ferir civis não envolvidos’. (…) Podemos continuar a ignorar o número de palestinos mortos na Faixa de Gaza, mais de 52 mil, incluindo cerca de 18 mil crianças; a questionar a credibilidade dos números; a usar todos os mecanismos de repressão, negação, apatia, distanciamento, normalização e justificação. Nada disso mudará um triste fato: foi Israel que os matou. Nossas mãos fizeram isso. Nós não podemos desviar o olhar. Nós temos de acordar e berrar em voz alta: Parem a guerra.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO