No início, houve agonia. Sob os impérios antigos, os fortes fizeram o que bem entenderam, e os fracos sofreram como tinham de sofrer.
Mas ao longo dos séculos a humanidade ergueu o vigor civilizatório: constituições para conter poderes, alianças internacionais para promover a paz, sistemas jurídicos para resolver disputas pacificamente, instituições científicas para curar doenças, veículos de imprensa para promover a compreensão pública, organizações de caridade para aliviar o sofrimento, empresas para constituir riquezas e disseminar prosperidade e universidades para preservar, transmitir e fazer avançar as glórias do nosso modo de vida. Essas instituições tornaram nossas vidas gentis, amorosas e criativas, em vez de desagradáveis, brutas e curtas.
O trumpismo está ameaçando tudo isso, pois trata principalmente de adquirir poder — o poder por si só. O trumpismo é um ataque em várias frentes para tornar a Terra um parque de diversões para homens implacáveis; portanto, evidentemente, qualquer instituição capaz de conter poderes deve ser enfraquecida ou destruída. O trumpismo tem a ver com ego, vontade e ganância, e é movido por uma aversão primária aos elementos superiores do espírito humano — aprendizado, compaixão, iração científica, busca por justiça.

Até aqui, nós temos tratado os diversos ataques do presidente Donald Trump e seus asseclas em seu governo como uma série de investidas distintas. Por um flanco, eles atacam firmas de advocacia. Por outro, devastam a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Por outro, arremetem contra nossas universidades. Em outra frente, minam a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e em outra ainda, vêm perturbando o comércio global.
Mas essa maneira de pensar é errada. Não se trata de batalhas separadas. Trata-se de um esforço único para desfazer componentes da ordem civilizacional capazes de restringir Trump em sua busca por aquisição de poder. E uma resposta coordenada será necessária para combater nessa guerra.
Até agora, cada setor atacado por Trump respondeu de forma independente — as firmas de advocacia buscam se proteger, as universidades, separadamente, tentam o mesmo. Sim, um grupo de firmas de advocacia se uniu em apoio ao escritório Perkins Coie, mas em outros casos os escritórios tentam individualmente garantir sua paz com Trump separadamente. Sim, Harvard enfim estabeleceu um limite, mas a Columbia fechou um acordo — uma estratégia desastrosa que garante a Trump força para pisotear uma vítima após a outra. Ele divide e conquista.
Lentamente, muitos de nós percebemos que precisamos nos unir. Mas até esses esforços são isolados e fragmentados. Vários membros da conferência Big Ten estão trabalhando para formar uma aliança para defender a liberdade acadêmica. Ótimo. Mas isso representaria 18 instituições de ensino de um total de cerca de 4 mil faculdades e universidades americanas.
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Até agora, os únicos indícios reais de algo maior — um contramovimento massivo — foram os comícios liderados por Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez. Mas essa forma de responder a Trump também é ineficaz; esses comícios partidários fazem com que a briga pareça uma disputa normal entre democratas e republicanos.
O que está acontecendo agora não é normal na política. Nós estamos testemunhando um ataque a instituições fundamentais da nossa vida cívica, às quais todos — democratas, independentes ou republicanos — devemos jurar lealdade.
É hora de uma rebelião cívica nacional abrangente. É hora de os americanos nas universidades, no direito, nas empresas, nas organizações sem fins lucrativos e na comunidade científica, nos serviço público e em outras áreas formarem um movimento coordenado de massas. Trump está atrás de poder. A única maneira de detê-lo é ele ser confrontado por um movimento que detenha um poder concorrente.
Povos ao longo da história fizeram exatamente isso quando confrontados com ataques autoritários. Em seu livro “Por que a Resistência Civil Funciona”, Erica Chenoweth e Maria Stephan analisaram centenas de rebeliões não violentas. Esses movimentos usaram muitas ferramentas diferentes à sua disposição — ações judiciais, manifestações massivas, greves, paralisações trabalhistas, boicotes e outras formas de não cooperação e resistência.

Esses movimentos começaram pequenos e se consolidaram. Desenvolveram mensagens claras que atraíram diversos grupos. Mudaram suas narrativas para que os autoritários não ficassem mais na ofensiva permanentemente. Certas vezes usaram meios não violentos para provocar o regime e fazê-lo adotar medidas violentas; o que choca a nação, enfraquece a autoridade do regime e fortalece ainda mais o movimento. (Pensem no movimento pelos direitos civis em Selma.) Neste momento, o trumpismo está dividindo a sociedade civil; se for bem feita, a rebelião cívica será capaz de começar a dividir as forças do trumpismo.
Chenoweth e Stephan enfatizam que um levante exige coordenação. Nem sempre é necessário haver um líder carismático, mas é necessário uma organização central, um órgão coordenador que trabalhe para construir coalizões.
Em seu livro “Upheaval” (Convulsão), Jared Diamond analisou países que enfrentaram crises e se recuperaram. Ele ressalta que nações que se reerguem não se rendem ao pensamento catastrófico — não dizem que tudo está arruinado e que precisamos destruir tudo. Elas fazem um inventário cuidadoso do que funciona bem e do que vai mal. Os líderes assumem a responsabilidade por sua própria parcela dos problemas da sociedade.
Isso me parece um conselho essencial para os americanos de hoje. Nós vivemos em um país com níveis catastroficamente baixos de confiança nas instituições. Reitores de universidades, grandes firmas de advocacia, empresas de comunicação e executivos corporativos encaram um muro de ceticismo e cinismo. Se quiserem participar de uma rebelião cívica massiva contra Trump, eles precisam mostrar ao restante do país que entendem os pecados do establishment que deram origem a Trump, precisam mostrar que buscam reformar suas instituições democraticamente. Isso não é apenas defender o establishment; é mover-se para um novo patamar.
Em outras palavras, uma rebelião cívica precisa ter uma visão de curto prazo e outra de longo prazo. No curto prazo: impedir Trump. Frustrar seus esforços. Processar judicialmente ao máximo. Virar alguns de seus seguidores contra ele. A visão de longo prazo é sobre uma sociedade mais justa e que não seja dura apenas com Trump, que seja rígida também em relação às causas do trumpismo — que ofereça uma visão positiva.
Consideremos as universidades. Tenho o privilégio de lecionar em universidades americanas, esporadicamente, há quase 30 anos e visito outras instituições todos os anos. Elas são as joias da coroa da vida americana. São polos de inovação científica e empreendedorismo. Os acadêmicos das universidades nos ajudam de inúmeras maneiras a entender-nos a nós mesmos e ao nosso mundo.
Já vi isso acontecer inúmeras vezes: uma jovem chega ao campus como caloura, curiosa, mas ainda sem forma. No último ano, algo impressionante lhe acontece. Ela está desperta, é culta e virou uma pensadora crítica. A universidade operou sua magia outra vez.
Pessoas vêm do mundo inteiro irar nossas universidades.
Mas, como todas as instituições, universidades têm suas falhas. Muitas se deixaram envolver por um progressismo sufocante que diz a metade do país: suas vozes não importam. Por meio de políticas de issão que favorecem jovens ricos, as universidades de elite colaboram para uma desigualdade nas formações. Se as mesmas famílias ricas se destacam geração após geração, ninguém deveria se surpreender quando os perdedores viram a mesa.
Em outras palavras, uma rebelião cívica precisa ter uma visão de curto prazo e outra de longo prazo. No curto prazo: impedir Trump. Frustrar seus esforços. Processar judicialmente ao máximo. Virar alguns de seus seguidores contra ele. A visão de longo prazo é sobre uma sociedade mais justa e que não seja dura apenas com Trump, que seja rígida também em relação às causas do trumpismo — que ofereça uma visão positiva. Seja nas universidades, no sistema de imigração ou na economia global, nós não podemos voltar ao status quo que prevalecia quando Trump desceu a escada rolante pela primeira vez.
Realmente eu não sou um cara afeito a movimentos. Não vou a manifestações nem comícios que não esteja cobrindo como jornalista. Mas é disso que os Estados Unidos precisam neste momento. Trump está acorrentando as maiores instituições da vida americana. Não temos nada a perder, a não ser nossas correntes./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO