Nesta terça-feira, Donald Trump completa, pela segunda vez, os 100 primeiros dias de um mandato presidencial nos Estados Unidos. E nunca os americanos viveram 100 dias como estes. Nem em 2017.
Como o próprio Trump itiu nessa semana:
“Na primeira vez, eu tinha duas coisas a fazer: governar o país e sobreviver; eu tinha todos esses caras corruptos. E na segunda vez, eu governo o país e o mundo.”
O cenário é de terra arrasada. Desde Eisenhower, em 1953, a popularidade de um presidente americano nunca foi tão baixa nesse período inicial. Trump tem apenas 41% de aprovação. 66% dos americanos descrevem o seu governo como “caótico”. 59% preferem utilizar a palavra “assustador”.

Não há como terceirizar a culpa. Trump reassumiu a Casa Branca em janeiro com maioria no Senado e na Câmara, e uma Suprema Corte majoritariamente conservadora. Desde então, teve o caminho livre para implementar as suas políticas de governo sem o boicote daquilo que ele costumava chamar de “estado profundo”. E até aqui, os resultados têm sido espetacularmente ruins.
A política comercial é particularmente desastrosa. É verdade que Trump concedeu uma pausa em algumas tarifas lançadas pelo seu próprio governo no início do mês, pobremente justificadas com uma fórmula grotesca – um movimento que fez o mercado de ações desabar e forçou o republicano a recuar. Ainda assim, nesse momento, a alíquota tarifária americana está em quase 23% – a mais alta em mais de um século. Na prática, Trump realizou o maior aumento de impostos da história dos Estados Unidos.
Quando assumiu o poder, Trump herdou uma economia chamada pela Economist de “inveja do mundo”. Cem dias depois, o Barclays diz que uma recessão nos Estados Unidos é cada vez mais provável. O JP Morgan calcula que a probabilidade de uma recessão acontecer ainda em 2025 é de 60%. O Fundo Monetário Internacional reduziu drasticamente as suas previsões para o crescimento mundial em 2025 e 2026.
Nessa terça-feira, quando a imprensa americana noticiou que a Amazon planejava detalhar as tarifas no preço dos produtos, a Casa Branca respondeu que a medida era politicamente “hostil” (poucas horas depois, a empresa desistiu da ideia assim que Trump se reuniu com o seu fundador, Jeff Bezos). Trump sustenta que os impostos de importação não são pagos pelos consumidores, mas pelos governos estrangeiros – uma estultice constrangedora.
DOGE também foi um fiasco. Em outubro, Musk disse que a iniciativa – lançada com um imenso alarde – conseguiria economizar US$ 2 trilhões em gastos supérfluos do orçamento do governo federal. Até aqui, o departamento prevê economizar US$ 160 bilhões no ano fiscal. Mas esses cortes custaram pelo menos US$ 135 bilhões aos pagadores de impostos americanos e muitos dos números anunciados por Musk são inconsistentes.
No fim, o Departamento de Eficiência Governamental precisou de menos de 100 dias para provar ser um exemplo de almanaque de iniciativa governamental ineficiente. Programas inteiros foram extintos sem qualquer análise de impacto. Dezenas de milhares de servidores públicos federais foram demitidos sem critério. Dados sensíveis da população foram ados por funcionários sem autorização. E o caos provocou uma avalanche de ações judiciais contra o Estado americano. Musk agora está se retirando do governo pela porta de trás. O barato saiu caro.
100 dias de Trump
Não surpreende que, com tanta destruição em tão pouco tempo, os índices de aprovação de Trump, em matéria econômica, tenham caído para 39% – o menor nível histórico.
E a política externa conseguiu ser ainda pior.
Em 100 dias, Trump rompeu com os pilares da ordem internacional, destratou gratuitamente aliados e cortejou adversários históricos dos Estados Unidos, enfraquecendo a OTAN e a posição americana no mundo.
O republicano se aproximou de Vladimir Putin e buscou um acordo para a Guerra na Ucrânia que claramente favorece o Kremlin. Trump também disse repetidas vezes que “a Ucrânia iniciou a guerra” e repreendeu publicamente Volodmir Zelenski na Casa Branca, num dos episódios diplomáticos mais toscos liderados por qualquer presidente americano nos últimos 236 anos.
Com os seus vizinhos, Trump também adotou posições altamente constrangedoras – o que incluiu uma iniciativa para anexar o território do Canadá. Mas o tiro também saiu pela culatra.
Em janeiro, os conservadores lideravam a eleição federal canadense por mais de 20 pontos de diferença. Mas as ameaças de anexação de território por parte do novo presidente americano murcharam as pretensões do grupo – apesar da insistência de Pierre Poilievre, o líder do Partido Conservador, de se distanciar de Trump.
Ontem, Poilievre – que começou 2025 favoritíssimo a virar primeiro-ministro – conseguiu perder até o seu assento no parlamento. O líder dos conservadores foi limado da vida pública na eleição mais fácil de todos os tempos. E a centro-esquerda manteve o controle do governo canadense com o apoio involuntário de Donald Trump.

O constrangimento também atingiu a Groenlândia. Nos últimos 100 dias, Trump não descartou usar as forças militares para anexar o território, entrando em conflito direto com a Dinamarca e a União Europeia. Trump chegou a enviar o vice-presidente, JD Vance, para a Groenlândia, sob os protestos da população local. Mas a história foi rapidamente jogada para debaixo do tapete, e só serviu para prejudicar ainda mais a posição americana no mundo.
E ainda há o Oriente Médio. Trump também defendeu expulsar todos os habitantes da Faixa de Gaza – o que o direito internacional chama de “limpeza étnica” – e colocar o território sob controle dos Estados Unidos, transformando o espaço em um “empreendimento imobiliário à beira-mar”. Uma tragédia também rapidamente abandonada por Washington, sob críticas contundentes da comunidade internacional.
Por fim, outro eixo desses primeiros 100 dias de governo foi o enfrentamento de Donald Trump às instituições que poderiam limitar o seu poder – notadamente o Judiciário e a imprensa. Trump defendeu o fechamento de canais de televisão, pressionou pela demissão de jornalistas e pela punição a juízes que bloqueiam a sua agenda. O republicano chegou a limitar o o da Associated Press a eventos na Casa Branca porque a agência se recusou a usar a sua terminologia para o Golfo do México – outra medida constrangedora desses primeiros dias de governo.
Um leitor desavisado poderia interpretar essa coluna como uma análise enviesada, saturada de má vontade contra a posição conservadora no mundo. Mas não é o caso. Na prática, Donald Trump lidera um governo de improviso – o mais constrangedor da história recente americana – sem qualquer conexão com a tradição do pensamento político conservador: excessivamente estatizante, populista, autoritário, personalista e alinhado a adversários históricos do conservadorismo americano.
Trump voltou à Casa Branca com uma equipe inexperiente, focado em duas coisas: revanche e lealdade absoluta. Mesmo membros do Partido Republicano que ousam discordar do seu governo enfrentam retaliações. “Todos temos medo”, disse há poucos dias a senadora republicana Lisa Murkowski. E essa cultura de intimidação se estende a funcionários públicos (que temem demissões arbitrárias), universidades (ameaçadas de perder fundos públicos) e até empresas privadas (pressionadas a se alinharem às diretrizes ideológicas do novo presidente).
Nunca os americanos viveram semanas como estas. E ainda restam 1.361 dias pela frente.