Quando você analisa os números oficiais, eles são realmente impressionantes. Desde a década de 1980, o governo diz que a economia chinesa cresceu, em média, 10% ao ano. É um número e tanto. Entre 1860 e 1913, quando os Estados Unidos se tornaram a maior economia da Terra, o crescimento anual americano foi, em média, de 4%.
Em 1980, o PIB chinês era menor que o do Brasil. Hoje está oficialmente na casa dos US$ 18 trilhões.
Na década seguinte à crise de 2008 – considerando os dados oficiais – 40% de todo o crescimento econômico mundial foi registrado na China. Segundo esses números, a cada dois anos, o aumento do PIB chinês foi superior a toda a economia da Índia. Em 2015, a economia chinesa criou uma Grécia a cada 16 semanas e um Israel a cada 25 semanas.

Desde que Deng Xiaoping abriu o mercado chinês, com o fim do maoismo, o desenvolvimento desse país é indisputável. Segundo os dados oficiais, a economia chinesa cresceu 14 vezes desde 1989. A economia americana, em contrapartida, “só” dobrou no período.
É verdade que, em 2025, a China ainda está longe de ser um país desenvolvido – o seu desenvolvimento humano, segundo a ONU, ainda está abaixo de nações como Albânia, Costa Rica e Trinidade e Tobago. Mas é inegável que, nas últimas quatro décadas, este lugar ou por uma transformação econômica radical, visível a olho nu.
O difícil é medir o exato tamanho dessa transformação. Mesmo os líderes políticos chineses desconfiam dos números oficiais de crescimento.
Li Keqiang, por exemplo, foi o primeiro-ministro da China (leia-se: o segundo homem mais importante do país) de 2013 a 2023. Nessa posição, Keqiang ficou conhecido por manter um estilo pragmático de governança e era tão adepto de uma abordagem baseada em evidências que, como não acreditava nos números oficiais, chegou a introduzir um conceito que a Economist apelidou de “Li Keqiang Index”, um conjunto de indicadores econômicos alternativos (como consumo de eletricidade, volume de transporte ferroviário de mercadorias e empréstimos bancários – índices bem mais difíceis de serem manipulados) para avaliar a saúde da economia de forma mais precisa.
Keqiang dizia que o PIB chinês é “produzido pelo homem”, “não confiável” e “apenas para referência”.
Há 6 bons motivos para acreditar que a desconfiança dele faz sentido:
1. Há incentivos perversos para as províncias chinesas
Na China, os governos locais e provinciais têm incentivos imensos para inflacionar os números de crescimento econômico para atender ou superar as metas estabelecidas pelo governo central, porque isso promove e beneficia os políticos locais dentro do partido – ou, na contramão, pode limá-los da vida pública.
Assim como na União Soviética, os planejadores centrais chineses ainda se baseiam em metas de crescimento. Cumprir essas metas é parte fundamental do sucesso profissional dos burocratas do país.
Em 2024, a China anunciou um crescimento do PIB de 5% – exatamente a meta estabelecida pelo governo no ano anterior. Não parece uma coincidência.

2. Há ausência de auditoria externa.
As estatísticas são controladas pelo governo, sem auditoria externa. E existem inúmeros casos documentados de falsificação de estatísticas nos governos locais.
Por exemplo: em 2016, a província de Liaoning itiu ter falsificado os seus dados econômicos entre 2011 e 2014.
Em 2018, a cidade de Tianjin, uma das mais importantes da China, com 14 milhões de habitantes, itiu ter superestimado o seu PIB no ano anterior em quase 20%.
No mesmo mês, a província chinesa da Mongólia Interior (não confundir com o país Mongólia) itiu a mesma prática de falsificação dos indicadores econômicos.
Há diversos exemplos como esses. E a prática não vem do governo atual.
Em 1998, Pequim anunciou uma campanha para alcançar um crescimento anual de 8%. Os líderes das províncias receberam o recado. Empolgado, o governo municipal de Xangai ordenou às suas unidades subordinadas que elaborassem planos para alcançar um crescimento de 12%. Todos os planos que não previssem um crescimento de 12% foram devolvidos para revisão.
Pressionados para cumprir metas impossíveis, as autoridades locais apresentaram relatórios falsos ou exagerados para estatísticos nacionais que tinham as mãos atadas para verificar os números.
O resultado? Segundo um estudo do economista Thomas Rawski, da Universidade de Pittsburgh, a economia chinesa, na verdade, contraiu cerca de 2% em 1998, quando o governo relatou um aumento no PIB de 7,8%.
A manipulação de dados é parte da cultura política da República Popular da China.
O problema é tão recorrente (e tão flagrante) que, em janeiro de 2024, Pequim publicou um duro recado contra a falsificação de dados, dizendo que estatísticas fraudulentas são gravemente prejudiciais porque “interferem e enganam a tomada de decisões macro” e “prejudicam a credibilidade do partido e do governo”.

3. A legitimidade do Partido Comunista depende do crescimento econômico
Manter em alta o crescimento econômico é fundamental para a legitimidade do Partido Comunista Chinês, uma vez que a estabilidade social e a aceitação do governo estão fortemente ligadas ao desempenho econômico.
Se Pequim ite que a economia do país não vai bem, o Partido corre o risco de perder o “mandato do céu”.
4. Há frequentes revisões retroativas oficiais
A China revisa rotineiramente para baixo os indicadores dos anos anteriores, fazendo com que o crescimento do ano corrente pareça mais forte.
Em dezembro de 2023, o governo revisou para baixo o nível do PIB nominal de 2022 em 0,5%, o que serviu para impulsionar o crescimento em 2023.
5. Há manipulação direta por Pequim
Não há apenas falsificações produzidas pelos governos locais – Pequim também distorce a realidade.
Em 2005, sem nenhum motivo, o Escritório Nacional de Estatísticas da China usou o seu poder extraordinário para declarar que a economia chinesa era 17% maior do que o país relatava até o dia anterior. Não houve nenhuma explicação convincente para a mudança.
Pequim diz que o investimento imobiliário contraiu 10% em 2023, ao mesmo tempo que afirma que o investimento do setor de construção contribuiu significativamente para o crescimento econômico.
Muito do que as autoridades chinesas dizem simplesmente não faz sentido.
6. Há baixa qualidade dos dados e uma crescente falta de transparência
Os padrões estatísticos que a China revela não estão no mesmo nível dos países desenvolvidos. A qualidade dos dados é bastante inferior.
Além disso, desde que Xi Jinping virou líder supremo, Pequim é cada vez menos transparente com as suas estatísticas.
Para tentar decifrar o cenário real da economia chinesa, pesquisadores estrangeiros costumam recorrer a uma infinidade de fontes alternativas, como a receita de bilheteria de filmes, as taxas de operação de fábricas de cimento e a geração de eletricidade. Ninguém duvida do avanço chinês nas últimas décadas. O que se discute é o tamanho exato desse avanço.
Série especial
No início do mês, o Wall Street Journal publicou uma reportagem sobre o cenário atual. Diz que as autoridades chinesas pararam de publicar centenas de dados que antes eram usados por economistas e investidores – desapareceram estatísticas de vendas de terras, investimentos estrangeiros, cremações e até relatórios oficiais de produção de molho de soja. Na maioria dos casos, as autoridades não apresentaram qualquer justificativa.
Por isso tudo, diferentes instituições financeiras não acreditam nos números chineses. O Rhodium Group estuda os dados da China há anos. Segundo o grupo, a produção chinesa encolheu em 2022, quando os bloqueios da pandemia foram intensos no país. O governo anunciou um crescimento incoerente do PIB de 3%.
Em 2019, um estudo sustentou que a economia chinesa pode ser quase 1/7 menor do que o relatado.
No mesmo ano, um grupo de economistas utilizou múltiplos fatores e concluiu que o PIB da China era 20% inferior ao que o governo diz.
Em 2021, um estudo utilizou dados de satélite para concluir que toda a economia chinesa representava menos da metade do valor oficial.
Qual é a verdadeira resposta desse enigma? Qual é o tamanho real da economia chinesa? Ninguém sabe dizer. Nem os chineses.
Como escreveu George Orwell no clássico 1984:
“No final, o Partido anunciaria que dois e dois são cinco, e você teria que acreditar. Era inevitável que eles fizessem essa reivindicação, mais cedo ou mais tarde: a lógica da sua posição exigia. Não apenas a validade da experiência, mas a própria existência da realidade externa, foi tacitamente negada por sua filosofia. A heresia das heresias era senso comum. E o que foi aterrorizante não era que eles iriam matá-lo por pensar de outra forma, mas que pode estar certo. Pois, afinal, como sabemos que dois e dois são quatro? Ou que a força da gravidade funciona? Ou que o ado é imutável? Se tanto o ado como o mundo externo só existem na mente, e se a mente em si é controlável — o que então?”
Enquanto ninguém for capaz de responder com clareza qual é o real tamanho da economia chinesa, investidores, governos e cidadãos continuarão navegando às cegas num mundo cada dia mais interconectado e dependente do que acontece em Pequim.
Não parece uma decisão inteligente.