Muitos anos antes de Donald J. Trump entrar para a política, a Apple e seus parceiros construíram grandes fábricas na China para montar iPhones. Trump fez sua primeira campanha para presidente prometendo a seus apoiadores que forçaria a Apple a fabricar esses produtos nos Estados Unidos.
Quase uma década depois, pouca coisa mudou. Em vez de trazer sua fabricação para casa, a Apple transferiu parte da produção da China para a Índia, Vietnã e Tailândia. Quase nada é fabricado nos Estados Unidos, e estima-se que 80% dos iPhones ainda são fabricados na China.

Apesar de anos de pressão, os negócios da Apple ainda são tão dependentes da China que a gigante da tecnologia não consegue operar sem ela. As medidas do governo Trump para mudar o comportamento da Apple correm o risco de prejudicar a empresa de capital aberto mais valiosa do mundo. E qualquer esforço sério para transferir a produção da Apple para os Estados Unidos - se é que isso é possível - exigiria um esforço titânico tanto da empresa quanto do governo federal.
Nos quatro dias após o presidente Trump anunciar impostos de 145% sobre as exportações chinesas no mês ado, a Apple perdeu US$ 770 bilhões em valor de mercado. Ela recuperou parte dessas perdas depois que Trump concedeu aos fabricantes de produtos eletrônicos de consumo na China um alívio temporário.
Na quinta-feira, a Apple divulgou resultados financeiros acima das expectativas de Wall Street, com receita de US$ 95,4 bilhões, alta de 5% em relação ao mesmo período do ano ado, e lucro por ação de US$ 1,65, crescimento de 8% na comparação anual. O relatório ofereceu aos analistas uma oportunidade para questionar o CEO da Apple, Tim Cook, sobre o risco de futuras tarifas, aumentos de preços e o futuro da empresa na China e nos Estados Unidos.
Cook afirmou que a Apple estima um impacto de US$ 900 milhões em seus custos no próximo trimestre fiscal devido às novas tarifas impostas pelo governo Trump. O executivo alertou que este número considera apenas as tarifas atuais, sem possíveis novos aumentos que possam ser implementados até o final do período.
David Yoffie, professor da Harvard Business School que escreveu estudos de caso sobre a Apple, disse que o escrutínio era justificado porque “eles são a empresa que corre mais risco em um colapso completo dos Estados Unidos e da China”.
Gene Munster, sócio-gerente da Deepwater Asset Management, que investe em empresas de tecnologia emergentes, estima que uma ruptura total entre os Estados Unidos e a China reduziria o valor da Apple pela metade ou mais. Ela deixaria de ser uma empresa de US$ 3,2 trilhões para ser uma empresa de US$ 1,6 trilhão, porque cerca de um terço de suas vendas está vinculado a produtos fabricados na China, mesmo que ela transfira parte da produção para outros países. E o valor poderia cair para US$ 1,2 trilhão se ela também perdesse suas vendas para os clientes chineses, como aconteceu com sua rival Samsung após uma disputa entre os governos da Coreia do Sul e da China. Pequim já desencorajou a compra do iPhone por funcionários do governo.
Uma grande queda no valor da Apple repercutiria no mercado de ações. A empresa é responsável por cerca de 6% do índice S&P 500. Isso significa que, para cada dólar investido no fundo, cerca de 6 centavos vão para as ações da Apple. Os investidores veriam essa participação reduzida pela metade.
Raízes profundas
As raízes da Apple na China são profundas. Décadas atrás, a empresa trabalhou com Pequim para estabelecer a fabricação na China sem criar uma t venture com uma empresa chinesa, como exigido de muitas empresas americanas. Em seguida, aperfeiçoou a arte de montar dispositivos de baixo custo na China e vender produtos para a crescente classe média do país. Essa combinação lhe rendeu mais de 80% dos lucros globais com smartphones e gerou US$ 67 bilhões em vendas anuais na China.
Com o tempo, os laços da empresa com a China se fortaleceram. Hoje, além de fabricar a maioria dos iPhones na China, seus fornecedores chineses também montam peças para dispositivos fabricados na Índia e fabricam componentes e AirPods no Vietnã.
A dependência da Apple em relação à China fez com que sua cadeia de suprimentos se tornasse uma espécie de teste de Rorschach para o governo Trump, que quer levar mais fabricação de produtos eletrônicos para os Estados Unidos. A Apple tem mais poder do que qualquer outra empresa de eletrônicos para cumprir a meta do governo. Ela fabrica mais smartphones do que qualquer outra empresa e gasta mais dinheiro em componentes do que as rivais, o que lhe dá uma enorme influência sobre onde seus fornecedores operam.
O governo Trump quer que a Apple inicie esse processo. Em uma entrevista em abril, o Secretário de Comércio Howard Lutnick disse que “o exército de milhões e milhões de seres humanos parafusando pequenos parafusos para fabricar iPhones - esse tipo de coisa virá para os Estados Unidos”.
Mas pressionar a Apple a deixar a China pode ser um tiro pela culatra. As novas tarifas poderiam forçar a Apple a aumentar os preços do iPhone ou aceitar lucros menores com o smartphone. Os telefones da Samsung, que são fabricados no Vietnã e não estão sujeitos às tarifas chinesas, poderiam ser mais baratos em comparação. A Apple poderia se tornar menos competitiva em seu país - uma linha vermelha que Trump raramente quer cruzar.
A Apple tem resistido a fabricar iPhones e outros dispositivos nos Estados Unidos porque a equipe de operações da empresa determinou que isso seria impossível, disseram duas pessoas familiarizadas com a análise que falaram sob condição de anonimato. Há uma década, a empresa teve uma experiência ruim ao adquirir parafusos e encontrar trabalhadores confiáveis para montar um computador Mac no Texas.
Na China, os fornecedores da Apple conseguem reunir 200 mil pessoas. Elas trabalham em fábricas supervisionadas por milhares de engenheiros com anos de experiência em fabricação. A maioria mora em dormitórios próximos à fábrica do iPhone, onde telas e outros componentes am por linhas de montagem mais longas que um campo de futebol.
Encontrar essa quantidade de funcionários e engenheiros experientes seria impossível na maioria das cidades americanas, disse Wayne Lam, analista da TechInsights, uma empresa de pesquisa de mercado. Ele disse que a Apple precisaria desenvolver processos mais automatizados com robôs para compensar a população menor nos Estados Unidos.
Lam estima que, se a Apple estabelecesse operações nos Estados Unidos, precisaria cobrar US$ 2 mil por um iPhone - acima dos cerca de US$ 1 mil atuais - para manter seus lucros atuais. O preço poderia cair para US$ 1,5 mil nos próximos anos, à medida que a empresa reduzisse os custos de treinamento de funcionários e fabricação de componentes.
“No curto prazo, não é economicamente viável”, disse Lam. Ele acrescentou que também não faz muito sentido transferir a produção de um dispositivo com quase 20 anos de idade e que poderia ser interrompido por um novo gadget que se tornasse popular entre os consumidores.
A Apple tem se mostrado disposta a mudar sua cadeia de suprimentos quando há incentivos. Em 2017, ela iniciou um processo para fabricar iPhones na Índia porque o país tinha altos impostos sobre as importações que teriam feito os preços aumentarem a ponto de a Apple não poder reivindicar uma fatia do mercado de smartphones que mais cresce no mundo.
Atualmente, a Apple fabrica na Índia cerca de 20% de seus iPhones vendidos em todo o mundo. Ela também fabrica alguns componentes lá, inclusive a estrutura metálica. Mas depende de empresas chinesas para montar as telas e outras peças complexas.
Leia também
Matthew Moore, que ou nove anos como gerente de projeto de fabricação na Apple, disse que a Índia tem outra vantagem que os Estados Unidos não têm: “Engenheiros em todos os lugares”.
Para atrair a Apple e as empresas de eletrônicos para os Estados Unidos, acredita Moore, o governo Trump precisará investir em educação para graduações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Ele também acha que o país deveria incentivar empréstimos para novas instalações de manufatura, da mesma forma que faz para a habitação com a Fannie Mae e a Freddie Mac.
No mês ado, a Apple conseguiu uma pausa temporária. Cook, que doou pessoalmente US$ 1 milhão para a posse de Trump, fez lobby junto ao governo Trump para obter a isenção concedida aos iPhones e outros produtos eletrônicos do imposto de 145% sobre as exportações chinesas. No entanto, ela é temporária. O governo disse que planeja emitir tarifas mais específicas sobre produtos de tecnologia.
Sem os investimentos do governo, a Apple e os fabricantes menores continuarão a fabricar produtos na China porque o país tem excesso de equipamentos e engenheiros, disse Moore, que fundou a Cruz, uma empresa que fabrica produtos de hardware como liquidificadores.
“Não acho que o navio tenha zarpado, mas é absurdo pensar que em quatro anos faremos iPhones aqui”, disse Moore. “Isso levaria 10 anos.”
Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.