O recuo quanto a políticas de diversidade e inclusão virou tendência entre grandes empresas do Vale no Silício, como Meta e Amazon. A Apple, no entanto, defendeu publicamente a posição de manter essas práticas.
A posição da fabricante do iPhone foi divulgada em documento enviado a investidores, no qual recomenda a seus acionistas que votem na próxima assembleia, prevista para 25 de fevereiro, contra a proposta de eliminação dos programas de inclusão e diversidade. O documento aparece no site da gigante.

Programas de diversidade e inclusão são um conjunto de medidas feitas para fazer com que pessoas de todos os contextos – independente de etnia, classe, sexualidade e gênero – se sintam apoiadas e incluídas no local de trabalho.
A orientação de ir contra a proposta se baseia na capacidade da Apple em gerenciar seus próprios negócios, afirma o conselho - que incluí o CEO Tim Cook - da empresa . “A proposta é desnecessária, pois a Apple já possui um programa de conformidade bem estabelecido, e a proposta tenta, de maneira inadequada, restringir a capacidade da Apple de gerenciar suas operações empresariais ordinárias, equipes e estratégias de negócios”. No documento a liderança da empresa diz que segue a lei e cumpre os regulamentos de não discriminação. Ainda diz que seu comitê de auditoria supervisiona os riscos legais e comerciais dos programas de inclusão.
Embora não tenha sido citado nominalmente, um investidor foi alvo da resposta da companhia. O National Center for Public Policy Research (NPR) é um grupo conservador que usou seu direito de acionista para apresentar a proposta de interromper os programas.
Esse grupo é conhecido por pressionar grandes empresas americanas contra políticas consideradas progressistas. O principal argumento do NPR é que os programas de inclusão e diversidade expõe a companhia a riscos legais e financeiros após a decisão da Suprema Corte contra ações afirmativas em 2023.
Em junho daquele ano, a Suprema Corte dos EUA restringiu a adoção de cotas raciais em universidades publicas e privadas do país. Especialistas afirmaram na época que a medida também implicaria em restrições de mesma natureza no mundo corporativo.
Grande e articulado, o think tank já tentou ações parecidas no Bank of America e na Johnson & Johnson, o que consolidou uma prática que combina ativismo conservador com pressão corporativa.
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Discussões sobre como aumentar a diversidade, em particular raça, ganharam destaque global em 2020, quando um policial americano assassinou George Floyd e levou as empresas a definiram suas próprias políticas em meio a protestos.
Desde então, o conceito foi atacado por políticos de direita como Donald Trump, que se comprometeu a encerrar programas do tipo no governo e no setor privado.
Em busca de aproximação com o novo presidente, que toma posse no dia 20 de janeiro, diversas Big Techs já alinharam se alinharam com o republicano. Na semana ada, a Meta comunicou a descontinuidade dos programas imediatamente. “O cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, equidade e inclusão nos EUA está mudando”, afirmou em um documento interno Janelle Gale, vice-presidente de recursos humanos da proprietária do Facebook.
Ao mesmo tempo que a Meta também fez referência as decisões recentes da Suprema Corte, ela anunciou mudanças nas políticas de moderação de conteúdo e checagem de informações falsas ou enganosas para “voltar às nossas raízes em busca da livre expressão”.
Outra companhia a recuar em programas de diversidade foi a Amazon, que anunciou o encerramento de seus programas. Na sexta-feira, dia 10, um memorando que dizia “encerrando programas e materiais desatualizados” circulou pela empresa de Jeff Bezos.

A medida também extrapolou o setor da tecnologia. O McDonald’s disse na semana ada que metas de diversidade para sua liderança e fornecedores seriam revistas e citou a decisão da Suprema Corte. A empresa introduziu as metas – que incluíam ter 45% de líderes mulheres e 35% da liderança global de grupos “sub-representado” – em 2021 após alegações de discriminação e assédio sexual.
O maior varejista do mundo Walmart, em novembro, parou de usar os termos “diversidade e inclusão” e abandonou o treinamento focado nesse grupo. Ainda anunciou que não vai mais considerar raça ou gênero na hora de escolher fornecedores ou contratos. Todas essas medidas foram tomadas após conservadores ameaçarem boicotar a empresa.
Também sinalizaram deixar de lado questões de diversidade, supostamente alinhadas a políticas progressistas, os seis maiores bancos do mundo – JP Morgan, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo e Goldman Sachs – que deixaram em dezembro aliança bancária net zero bancada pela ONU, que se comprometia a zerar emissões de gases de efeito estufa.
A American Civil Liberties Union (ACLU), uma ONG americana cuja missão é “defender e preservar os direitos e liberdades individuais garantidas a cada pessoa neste país pela Constituição e Leis dos Estados Unidos” disse que tomará medidas legais para prevenir o que descreve como “recuo da segunda istração Trump da aplicação de direitos civis e ataques a esforços para promover a justiça racial”.
“Embora a maior parte do país apoie esforços para abordar a desigualdade racial, Trump promete erradicar muitos desses esforços e, assim, piorar as disparidades raciais”, disse a ACLU antes da eleição em novembro.
Por que a Apple se posicionou contra as ofensivas conservadoras?
Em uma defesa mais enfática dos seus programas, a Apple disse ter reafirmado seu compromisso como “empregadora de oportunidades iguais que não discrimina em recrutamento, contratação, treinamento ou promoção em qualquer base protegida por lei”.
A principal liderança da companhia, Tim Cook, se tornou o primeiro CEO assumidamente gay de uma marca Fortune 500 e ampliou as iniciativas de inclusão. Entre 2014 e 2023, dobrou o número de funcionários de grupos “sub-representados” e estabeleceu parcerias com universidades de tradição negra e instituições voltadas para minorias.

Durante os protestos do Black Lives Matter, em 2020, se comprometeu a destinar US$ 100 milhões a iniciativas de equidade racial, o que incluía a criação de uma escola de desenvolvedores em Detroit e um centro de inovação em Atlanta, ambos focado na comunidade negra.
A maior iniciativa de inclusão e diversidade da Apple é o Diversity Network Associations (DNA), que já conta com 55 mil membros divididos em 67 grupos ao redor do mundo.
O futuro da companhia, no entanto, ainda depende da votação de 25 de fevereiro, onde a assembleia vai indicar a fim ou não dos programas de inclusão. É esperado que a decisão seja um termômetro de outras empresas globais quanto essas políticas.