
Na virada entre 1999 e 2000, um dos principais assuntos era o “bug do milênio”, um erro nos computadores globais que seria o resultado da falta de compreensão das máquinas para 99 e 00 nos calendários. Para alívio de muitos, isso não ocorreu, mas, agora, há outro perigo no ar: o fim da criptografia em computadores clássicos, o que colocaria em perigo toda a segurança do mundo digital, incluindo transações financeiras e sistemas de infraestrutura.
O perigo cresce à medida que computadores quânticos são desenvolvidos. “A diferença é que o bug do milênio tinha dia e hora para acontecer, enquanto o mundo de criptografia pós-quântica pode ocorrer a qualquer hora”, afirma Ana Paula Appel, especialista da IBM na área.
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Há 13 anos na IBM, Ana Paula é uma das principais vozes sobre computação quântica no Brasil, apresentando o potencial para negócios e os perigos de se ignorar a tecnologia desses equipamentos superpoderosos. Esse será o tema de sua palestra Summit Tecnologia e Inovação Estadão, que acontece no dia 14 de maio, das 8h30 às 16h, no Unibes Cultural, em São Paulo. Inscreva-se aqui. O evento faz parte das comemorações dos 150 anos do jornal.
Abaixo, ela fala sobre como máquinas quânticas podem mudar o mundo e sobre a importância de estar atento para o tema agora, ainda que ele soe futurista.
Parece um assunto futurista, mas por que a computação quântica é importante e tende a se tornar cada vez mais importante?
A computação quântica vai abordar problemas que hoje não conseguimos resolver direito, ou que resolvemos de forma simplificada devido à capacidade computacional clássica. No entanto, ela não é uma tecnologia trivial. É mais difícil de aprender porque suas propriedades — como superposição, interferência e entrelaçamento — não são naturais para nós. Precisamos seguir as leis da mecânica quântica para desenvolver novos algoritmos e tirar proveito do computador quântico, o que não é intuitivo para quem está acostumado com um espaço euclidiano. É importante aprender agora para adquirir conhecimento técnico e entender onde pode ser aplicada, que problemas ela resolverá e como tangibilizará no negócio. Embora nada possa ser colocado em produção hoje, aprender agora prepara para o futuro e permite entender como a tecnologia impactará seu negócio e trabalho. Além disso, quem adota cedo geralmente tira cerca de 90% do valor quando a tecnologia se concretiza.
Quando falamos de impacto em negócio, quais áreas devem ser mais afetadas pela computação quântica? Quais executivos, de quais áreas, deveriam estar olhando para a computação quântica agora?
Pessoas das áreas de logística, setor financeiro, setor químico e setores de saúde. Todos os problemas que envolvem problemas combinatoriais ou otimização são setores que deveriam estar olhando para a computação quântica. Isso inclui logística com múltiplos caminhos, finanças com otimização de portfólio e gerenciamento de risco. Outras áreas incluem novos materiais, energias renováveis e até prevenção de desastres naturais e sustentabilidade. É importante notar que a computação quântica não significa que teremos um supercomputador quântico no bolso ou um celular com computação quântica. Ela está sendo pensada para resolver problemas computacionais hoje definidos como intratáveis. Atualmente, para resolver esses problemas, usamos o que chamamos de heurísticas, que são “dicas” para o computador resolver o problema. Por exemplo, ao traçar uma rota ou otimizar um portfólio, não se testa todas as possibilidades; o espaço de busca é reduzido. A computação quântica está pensada para resolver esses problemas complexos de forma mais completa.

Quão longe ou perto estamos de ter computadores quânticos 100% funcionais e resolvendo esses grandes problemas do mundo?
O primeiro computador quântico da IBM foi lançado há nove anos, o que é um tempo muito curto na história da computação. Temos alguns problemas para resolver com essas máquinas para que se tornem produtivas, coisas que já foram resolvidos na computação clássica. Um grande problema é a correção e mitigação de erros, pois os computadores quânticos são extremamente ruidosos por trabalharem com partículas. A IBM aposta nos computadores de super condução por serem de propósito geral, conseguirem resolver uma gama maior de problemas, e pela crença de que essa tecnologia conseguirá escalar, ter qualidade e velocidade. O grande desafio hoje é como combinar diversos processadores quânticos sem aumentar o ruído, como transportar informação de um chip para outro e como conectar tudo. Ainda estamos nesses os, mas há uma boa perspectiva em termos de roap e pesquisa. A IBM, por exemplo, promete que para 2029 conseguiremos resolver o problema e ter um computador com correção de erro.
Por que é importante estudar criptografia quântica agora? E qual o impacto que essas máquinas podem ter na segurança do mundo digital?
Quando houve o “bug do milênio”, a gente sabia o dia e hora que isso ia acontecer perfeitamente. Na computação quântica a gente não sabe. Quando tivermos computadores quânticos em escala, eles vão quebrar a criptografia. O algoritmo RSA, uma das chaves principais, será quebrado. Existe um algoritmo quântico, publicado por Shor em 96, que rodará muito mais rápido em um computador quântico do que em um clássico e permitirá quebrar a criptografia em horas. O NIST, um órgão de segurança e padrões americanos, já definiu os novos algoritmos de criptografia. Esses novos algoritmos não são quânticos, são clássicos, mas resolvem um problema matemático diferente. A criptografia RSA usa a fatoração de números primos como base para a segurança, e o algoritmo de Shor consegue resolver esse problema rapidamente. O NIST já orientou que até 2030, preferencialmente até 2028, todas as empresas devem substituir seus algoritmos de criptografia pelos novos certificados. O desafio não é a computação quântica em si, nem os novos algoritmos (que já existem e são clássicos), mas sim a implementação. Pense em uma empresa com milhares de aplicações e código legado, onde encontrar e substituir essas chaves. Não basta apenas um banco trocar; com quem ele se comunica também precisa trocar. Por isso, falamos de uma jornada “quantum safe”. Uma empresa pode não querer usar computação quântica, mas será impactada pela criptografia. Se quiser continuar operando e fazendo negócios, terá que trocar essas chaves.
O Summit Tecnologia e Inovação Estadão acontece no dia 14 de maio, das 8h30 às 16h, no Unibes Cultural, em São Paulo. Confira a programação completa e inscreva-se aqui.