As duas guerras atuais, a decorrente da invasão russa à Ucrânia e a do massacre do 7 de Outubro, perpetrado pelo Hamas em Israel, levaram a enfrentamentos armados, cujas consequências vão muito além do que os dois atacantes haviam previsto. A Rússia pensou ser possível capturar toda a Ucrânia via uma operação relâmpago com tropas aerotransportadas e utilização maciça de tanques, tendo, neste sentido, fracassado. A aparência militar da Rússia, tão alardeada, não correspondeu à sua ação efetiva. A Ucrânia soube enfrentar a invasão, reagindo com força, graças ao forte apoio dos EUA e da União Europeia, além da determinação de seu povo.
O Hamas considerou ser possível atacar Israel, ass, sequestrar e simplesmente negociar depois como se nada de importante tivesse acontecido. Contava com o apoio da ONU e dos europeus para um rápido cessar-fogo, que lhe permitiria manter sua estrutura militar intacta. Subsidiariamente, contaria ainda com o apoio do Hezbollah, dos Houthis e, indiretamente, do Irã, para uma operação concertada. Israel, refeito do susto e da surpresa, aniquilou a capacidade militar do Hamas, sobrando somente a sua estrutura terrorista tradicional, derrotou o Hezbollah, hoje uma sombra do que foi, destruiu a capacidade do Exército sírio e anulou a defesa antiaérea do Irã.
Diferentemente do pós-guerra, a Rússia não conta com o apoio da opinião pública europeia, não tendo, como naquela época, a sustentação dos partidos comunistas, que seguiam a linha soviética, de estrita obediência. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que sua ideologia é eurasiana, restrita à concepção de uma Grande Rússia, incapaz, portanto, de se alastrar para além de países eslavos e, mesmo desses, com grandes dificuldades, considerando sua recusa de serem simplesmente anexados. O comunismo, para além de sua farsa, possuía, porém, uma mensagem universal.
A guerra entre Israel e Hamas (com apoio do Irã e de seus satélites) é uma guerra de exterminação de Israel que adquiriu claras dimensões existenciais. Não busca o Hamas a criação de um Estado palestino, a coexistir com o israelense, mas sua pura e simples destruição. Não se trata de uma guerra por territórios, apesar de possuir essa aparência, mas de uma guerra pela dominação islâmica, teológico-política, como consta, aliás, em sua carta fundadora e em suas declarações.
Segundo a concepção deles, à destruição dos judeus seguir-se-ia a das diferentes igrejas cristãs, etnias como as dos drusos, dos baha’is (no Irã) e dos curdos em outros países do Oriente Médio. Sua forma de “vida”, ao contrário da ocidental, caracteriza-se pelo culto à morte, ao sacrifício e aos mártires, criando suas lendas e narrativas. Palestinos para o Hamas e seus aliados só fazem parte de sua narrativa com intenções internacionais, quando, na verdade, são dominados, reprimidos e seus dissidentes e homossexuais assassinados.
Os ocidentais têm caído nessa arapuca, vindo a defender ideias que estão voltadas contra eles mesmos. É um suicídio de ideias e concepções, mais particularmente de humanismo, democracia e liberdade. Todavia, lá onde dominam estabelecem uma feroz repressão, não permitem o culto de religiões ocidentais nem o ateísmo, oprimem e mutilam mulheres, assassinam homossexuais, inexistindo qualquer liberdade de expressão e organização. São, por princípio, liberticidas, intolerantes e violentos.
Os russos, por sua vez, segundo a formulação eurasiana, tornam-se aliados dos islamistas pelo mundo, mas não em seus próprios territórios e domínios. Vide as guerras na Chechênia, com a cruel repressão e assassinato de seus muçulmanos opositores. Antes disso, convém também lembrar da guerra do Afeganistão, onde se defrontaram com os talibãs, defensores estritos e violentos desse tipo de culto radical.
Atualmente, estão unidos ou tendem a se unir numa devoção comum contra o Ocidente, tudo fazendo para aniquilá-lo. Há o mesmo ódio às democracias, aos seus valores e às suas formas de religiosidade. Temos aqui um confronto de ideologias, concepções e narrativas. Extraem a sua energia e o seu ímpeto de sua coesão antiocidental, criando, dessa maneira, alianças surpreendentes, não fosse pelo inimigo comum.
Detestam a paz e se apresentam, contudo, como “pacifistas”. São autocratas ou totalitários, conforme as circunstâncias, mas exibem sempre um disfarce “ocidental”, como o de representarem valores decoloniais. Se fizermos assim a pergunta de quem é pacifista, poderemos cair, se formos desatentos e imprudentes, numa armadilha, a de aceitarmos que a violência indiscriminada, ilimitada e, no caso dos islamistas radicais, o culto à morte, seriam um valor a ser preservado. Seria, paradoxalmente, uma forma de convivência com a diversidade cultural, sob o perigo de aniquilação da própria possibilidade de diversidade, convivência e pluralidade. Logo, de humanidade.
Eis os amigos, os parceiros de Lula e do PT. Dá para confiar em discursos ditos democráticos, em defesa das liberdades?