“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.”
A frase, frequentemente atribuída a Lenin, combina perfeitamente com o que vivenciamos em razão das medidas protecionistas adotadas por Donald Trump.
Com o objetivo declarado de proteger a indústria, reduzir o déficit comercial dos EUA e alterar a trajetória explosiva da dívida do país, o presidente norte-americano impôs pesadas tarifas sobre produtos provenientes de diversas nações. Mudou os parâmetros do mundo, atropelou relações comerciais históricas e instituiu uma nova realidade. E temos de nos preparar para conviver – ou sobreviver – a ela.
É certo que os governantes têm por obrigação proteger as respectivas economias e eliminar desequilíbrios, inclusive por meio de alguma tarifa externa, em casos específicos, em que haja desproporção flagrante e a ser pensada e negociada caso a caso.
A questão, todavia, foi a dosagem exagerada que atingiu todos e estilhaçou o soft power ao qual o mundo se acostumou. Desgastou-se uma relação de confiança de oito décadas entre os EUA e seus principais aliados.
Enquanto durar a guerra das tarifas – com ênfase ao duelo travado entre EUA e China –, denota-se que estão ameaçadas as premissas da globalização segundo as quais os países, sem prejuízo às respectivas soberanias, se abastecem mutuamente, por meio da diminuição de barreiras ao comércio internacional, livre circulação de capitais, concorrência produtiva e economias de escala.
Ainda que futuramente a situação se acomode, um recado foi ouvido pelas nações: atentem ao fortalecimento de seus mercados domésticos, que podem ganhar ainda maior relevância para suprir o que for possível suprir.
Surge no radar a probabilidade de a globalização que conhecemos incorporar novos costumes. Nesse utópico exercício, é preciso calcular qual é o grau de autossuficiência de cada país e que parceiros selecionar para importar o necessário.
Em tal cenário, nações com maior tecnologia e consistentes índices de produtividade têm melhor chance de atravessar a realidade distópica que hoje nos atropela. A questão é que, nesse aspecto, o Brasil está muito distante das nações desenvolvidas, razão pela qual, nessa instável conjuntura planetária, soa inoportuno progredir em pautas como o fim da jornada 6 x 1, objeto de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.
Alguns países avançados que reduziram a carga semanal de trabalho puderam dar-se a esse luxo. Economias estáveis, com baixo desemprego, pleno atendimento às necessidades de suas populações – como saúde e habitação – e foco primordial na educação para assegurar produtividade e inovação foram fundamentais, além da então menor necessidade de verbas para Defesa. Mesmo assim, os déficits se avolumaram, e de certa maneira a eficiência foi comprometida. Vale apontar o ocaso da indústria automobilística americana, em razão de acordos exagerados obtidos por sindicatos poderosos.
Pois bem. No quesito produtividade, o Brasil ainda tem muito para avançar. Estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) sobre impactos socioeconômicos da redução da jornada de trabalho aponta algumas razões de nossa baixa produtividade: infraestrutura logística deficitária; complexidade regulatória e insegurança jurídica; alta carga tributária; menor nível de educação e qualificação profissional; e baixo nível de intensidade tecnológica.
O estudo mostra que nossa carga horária semanal trabalhada é menor do que a de países de renda similar e que a produtividade do brasileiro é cerca de 23% da produtividade de um trabalhador norte-americano.
No período 1990 a 2024, a taxa de crescimento da produtividade brasileira avançou, em média, apenas 0,9% ao ano, enquanto a China registrou crescimento de 8% ao ano, seguida pela Índia, com 5,1%, e pela Coreia do Sul, com 4,2%.
Reduzir a jornada sem corte salarial significa que as empresas pagarão o mesmo valor por menos horas trabalhadas. O aumento do custo do trabalho poderá gerar três efeitos negativos: alta de preços para o consumidor final; automação e redução de empregos; e risco de muitas empresas, e mesmo setores inteiros, reduzirem suas operações ou até fecharem as portas.
Outros impactos apontados: em setores em que a produtividade está diretamente ligada à presença física dos trabalhadores (como construção civil, comércio e serviços), a redução da jornada pode tornar inviável a manutenção do quadro formal de funcionários. Isso sem falar no risco de precarização do trabalho.
Se imaginarmos o indesejável cenário em que a manutenção da guerra das tarifas obrigará os países a se apoiarem, dentro do que for viável, em suas economias domésticas, evidencia-se que a jornada que devemos discutir é bem outra. É preciso focar na educação e na qualificação profissional para elevar a produtividade. Essa é a jornada que o Brasil precisa escolher, mesmo que Donald Trump, sensível aos movimentos do mercado, negocie acordos justos e faça com que as semanas voltem a ser semanas.