Tornou-se um lugar-comum dizer que não vivemos numa época de mudanças, mas sim numa mudança de época, tal é a profundidade das transformações pelas quais o mundo está ando: mudança climática, avanço da inteligência artificial, “guerra” comercial, financeira e tecnológica pela hegemonia global, ascensão das autocracias, entre outras transformações que vêm alterando os parâmetros de funcionamento da economia, da política, da geopolítica e da própria natureza.
Retrocedendo na história, é plausível comparar os primeiros 25 anos do século 21 com o último quarto do século 19, quando se iniciaram transformações inter-relacionadas que desembocaram em duas guerras mundiais de consequências devastadoras. Transformações tecnológicas (a segunda revolução industrial), sociais (a expansão da classe operária ligada à grande indústria), geopolíticas (a emergência dos Estados Unidos e, logo a seguir, da Alemanha e do Japão) e ideológicas (de um lado, o marxismo e, de outro, o nacionalismo xenófobo e racista, que se desdobrou no nazifascismo). A história não se repete, mas não convém subestimar as “perturbações” desencadeadas por grandes transformações nas bases tecnológicas e nas estruturas de poder.
Em meio a tanta incerteza, uma coisa é certa: será uma longa e arriscada travessia até que o mundo chegue a bom porto, se chegar.
O Brasil precisa se preparar para essa travessia. Pode vir a ser uma potência agroambiental, se fizer os investimentos públicos e privados necessários em biociências e suas aplicações. Pode também se consolidar como uma sociedade aberta, democrática e inclusiva, comprometida com soluções pacíficas para os desafios globais. Mas o País precisa melhorar suas condições e seus instrumentos de navegação, seja para se proteger de tempestades, seja para aproveitar os ventos favoráveis, lembrando que eles não existem para quem não sabe aonde vai.
Nesse sentido, penso em cinco tarefas básicas para o próximo mandato presidencial: 1) colocar as contas públicas numa trajetória sustentável, interrompendo o crescimento da dívida como proporção do PIB, em alta nos últimos dez anos; 2) desengessar o Orçamento. De acordo com estimativas do próprio governo, as despesas obrigatórias, incluídas emendas parlamentares, devem consumir a totalidade do Orçamento já ao início do próximo mandato presidencial; 3) fortalecer as agências reguladoras, que seguem à mercê do loteamento partidário e sem recursos para desempenhar suas funções técnicas, prejudicadas na sua capacidade de exercer funções cada vez mais necessárias e complexas; 4) desenvolver um sistema de avaliação dos gastos, sem o que estaremos condenados a seguir empilhando às cegas gasto público sobre gasto público; e 5) melhorar o planejamento e a governança do investimento público, com base numa visão sobre as forças que o Brasil tem e pode explorar, e as fragilidades que deve reduzir.
Embora as estimativas possam variar, há consenso entre os especialistas quanto à necessidade de um grande esforço fiscal a ser feito nos próximos anos para ao menos estabilizar a dívida pública como proporção do PIB. Estamos falando de algo entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões. Um esforço que não se fará da noite para o dia, mas não pode mais ser adiado.
O desafio é político e não contábil. Sendo político, ele se refere à distribuição social do ônus desse ajuste. Em tempos normais, já seria um desafio imenso, numa sociedade brutalmente desigual. Em tempos de transformações profundas, o esforço fiscal necessário precisa levar em consideração, além das questões distributivas, as novas necessidades e possibilidades que se colocam para a ação de governo. Respeitada a necessidade de controlar o endividamento, velhas despesas devem ceder lugar a novos gastos, que respondam às exigências do futuro que já começou a chegar. Pense nos gastos necessários para a adaptação do País aos efeitos das mudanças climáticas (sem falar no rápido envelhecimento da nossa população), para preparar as pessoas para o uso da inteligência artificial ou ainda para requalificar e/ou proteger aquelas que perderem emprego e renda no processo. Por outro lado, pense nas possibilidades que essas mesmas tecnologias apresentam para melhorar a eficiência e eficácia das políticas públicas.
Digo tudo isso para chamar a atenção para o contraste entre a complexidade dos desafios do País e o simplismo do nosso debate político. Falta só um ano para a escolha oficial dos candidatos à Presidência para as eleições de outubro de 2026. É papel da sociedade civil, na sua pluralidade, tentar preencher o vazio deixado pela ausência de partidos programáticos e abrir um espaço de diálogo à altura dos desafios nacionais, com uma perspectiva de longo prazo.
Quem sabe esse diálogo possa influenciar o “mundo político”, quem sabe o risco de o próximo mandato presidencial ser especialmente difícil para quem se eleja leve os candidatos com senso de responsabilidade a assumirem, por interesse próprio, um compromisso crível com o futuro do País.