O Projeto de Lei (PL) nº 4/2025 está tramitando no Senado Federal. A proposta foi apresentada em 31 de janeiro de 2025 e visa introduzir mudanças significativas no Código Civil brasileiro.
O PL 4/2025 foi elaborado por uma comissão de juristas criada em agosto/2023. A Comissão foi presidida pelo ministro do STJ Luís Felipe Salomão e vice-presidente Marco Aurélio Belize. A Comissão foi composta por 38 membros, incluindo outros membros do STJ, magistrados, professores de direito e outros especialistas.
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O Código atual de 2002 é composto por 2.063 artigos. O projeto propõe a alteração de mais de 800 artigos e a adição de 300 novos dispositivos (total 1.122 artigos).
Com tamanha alteração, considera-se que não se trata de reforma e sim de uma nova legislação, com repercussão direta aos cidadãos e na economia brasileira.
Discute-se a razão de alterar uma legislação civil recente que está em vigor a menos de 25 (vinte e cinco) anos.
As posições favoráveis à reforma consideram que o Código Civil de 2002 na verdade teve início na década de 1970 e já nasceu desatualizado. Além disso, a velocidade das transformações nos últimos 25 anos ensejaria obrigatoriamente uma atualização da legislação.
Um dos pontos de destaque que é trazido pela comissão de juristas é a necessidade de atualização da legislação civil, com base na doutrina e jurisprudência consolidada dos tribunais. Várias proposições feitas pela comissão estão respaldadas pela jurisprudência do STJ e STF e em enunciados das Jornadas em Direito Civil.
As posições contrárias afirmam que o Código Civil foi alterado por mais de 50 leis esparsas e atualizado recentemente pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e Leis 14.451/22 e Lei 14.195/21 relativas ao direito da empresa. Neste ponto, algumas introduções pretendidas pela nova legislação estariam, inclusive, em desacordo com as decisões jurisprudenciais, gerando ainda mais instabilidade jurídica.
Ou seja, cogita-se que o Código de 2002 não está desatualizado a fim de ensejar uma reforma tão ampla como pretendido. Além disso, o Projeto fomentaria a insegurança jurídica tendo em vista que em pontos cruciais seu texto foi redigido com a utilização de linguagem imprecisa e falta de técnica. Também se questiona a ausência de estudo prévio do impacto econômico necessário para alterar a legislação em questão.
Dentre as alterações propostas no Projeto 04/2025 em trâmite no Senado Federal, alguns pontos vêm sendo bastante debatidos entre os juristas. Destacamos alguns deles para análise.
Na seara do Direito Empresarial, destaca-se a introdução da necessidade de autorização do Poder Executivo para aquisição de participação societária por sociedade estrangeira no País. Questiona-se se essa obrigatoriedade ao invés de fomentar a atividade econômica, dificultará o ingresso do capital estrangeiro e poderá ser negada de forma discricionária se contrariar os interesses nacionais.
Ademais, a inclusão da necessidade de as sociedades estrangeiras manterem sede física no Brasil para exercer a atividade empresarial, presencial ou virtual pode acarretar também o aumento dos custos operacionais e com isso o desestímulo de novos negócios.
No âmbito Contratual o Parágrafo Primeiro do Artigo 421 do Projeto reforça a autonomia privada e liberdade contratual, objetivando a intervenção mínima do Estado e excepcionalidade da revisão contratual.
Porém, o Parágrafo Segundo do Artigo 421 prevê em paralelo a nulidade de cláusulas que violem a função social do contrato, o que poderá acarretar insegurança jurídica devido a indeterminação do conceito de função social que foi replicado em diversos artigos do Projeto e poderá ainda aumentar ainda mais a litigiosidade. Discute-se ainda que o novo Código Civil abrirá espaço para a revisão dos acordos privados, sem esclarecer, no entanto, em que hipóteses isso pode ocorrer, nem como se dará tal revisão.
No campo da Responsabilidade Civil foi alterada a redação do artigo 927 trazendo três incisos para a reparação do dano: (i) cujo ato ilícito tenha causado; (ii) àquele que desenvolver atividade de risco especial e; (iii) os responsáveis indiretos por ato de terceiro a ele vinculado, por fato de animal, coisa ou tecnologia e ele subordinado.
Além disso, foram introduzidos os Artigos 927-A e 927-B que abrangem a obrigação de reparar o dano independente de culpa nas atividades de risco.
O 944-A, por sua vez, prevê além da indenização por danos extrapatrimoniais o acréscimo de sanção pecuniária de até 04 (quatro) vezes o valor da indenização. O Artigo 944-B estabelece que a indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros, o que estaria em desacordo com o Artigo 403, o qual não foi alterado.
O Projeto do novo Código Civil torna indenizáveis danos indiretos, além de criar a figura dos danos punitivos e “pedagógicos”. Além disso, agravaria a responsabilidade em relação a atividade que crie “risco especial e diferenciado”, a ser avaliado “de acordo com estatística e as máximas da experiência”, que são conceitos amplos e abertos. O NCC colocaria em dúvida a legalidade da cláusula de limitação de responsabilidade.
Em relação a taxa de juros, a alteração proposta para o Artigo 406 CC fixa os juros de mora em 1% a.m., limitando-os a 2% quando convencionados, ao contrário da adoção da taxa Selic que foi acolhida por modificação legal promovida pela Lei 14.905/24.
Quanto ao Direito de Família e Sucessões também estão sendo propostas diversas alterações com o objetivo de permitir uma maior pluralidade das entidades familiares e liberdade para constituição dos vínculos socioafetivos.
Uma das principais novidades nesse campo é a inclusão do parentesco socioafetivo, além do parentesco por consaguinidade/natural, por afinidade quando existente entre um cônjuge ou companheiro e parentes do outro cônjuge ou companheiro. Em relação a presunção de paternidade, foi acrescida a possibilidade de registro civil do filho pela mãe sem a presença do pai, independentemente de ser casada ou viver em união estável. O pai é chamado ao cartório para confirmar ou rejeitar a paternidade, invertendo-se o ônus da prova. Está também previsto o Divórcio Unilateral, com a possibilidade de comparecimento ao cartório independentemente da presença do outro consorte e foi excluído o regime da separação obrigatória de bens.
No plano sucessório está sendo proposta a exclusão do cônjuge/convivente da ordem de vocação hereditária, na qualidade de concorrente dos descendentes ou ascendentes, matéria introduzida no Código Civil de 2002 e muito debatida pelos estudiosos do tema. Ademais, objetiva-se, dentre outros temas, a ampliação da liberdade nas relações familiares e sucessórias – ex: renúncia a herança/pacto antenupcial e convivência, bem como, a inclusão da herança digital.
Por fim, foi introduzido no Projeto de Lei 04/2025 um capítulo específico de Direito Digital visando adaptar o direito civil às questões do ambiente digital, em especial, a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, responsabilidade civil, patrimônio digital, s digitais e e-notarial, objetivando consolidar a legislação existente acerca do assunto.