Comerciantes temem invasões após dispersão da Cracolândia
Donos de estabelecimentos apontam aumento de usuários nas ruas Helvétia, Glete e Praça Marechal Deodoro.
O comerciante Aldino de Magalhães, de 53 anos, acordou assustado na madrugada de sexta-feira, 16, com um telefonema. Era um amigo que alertava sobre um grupo de usuários de drogas na porta do estabelecimento que ele tem há mais de três décadas na Rua Helvétia, centro de São Paulo. Havia risco de invasão, segundo o interlocutor.
O contato ilustra a preocupação de comerciantes e lojistas com a recente movimentação do fluxo de dependentes químicos da Cracolândia. Além da preocupação com invasões, arrastões e assaltos, empresários compartilham informações sobre a dinâmica do fluxo para avaliar impactos - como redução da clientela - em seus respectivos negócios.
A Secretaria da Segurança Pública do Estado diz atuar de forma multisecretarial, em conjunto com a Prefeitura, “para combater a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas e oferecer apoio e uma saída viável para dependentes químicos”.

Na semana ada, a Rua dos Protestantes, que abrigava a principal concentração de usuários, foi esvaziada. Com isso, pequenos grupos de usuários aram a se concentrar em vários pontos.
O vice-governador Felício Ramuth (PSD) diz que os dependentes químicos estão internados em hospitais e casas terapêuticas. Especialistas têm defendido ampliar a oferta de tratamento de saúde aos usuários de droga, além das ações policiais para coibir o tráfico.
Um dos pontos de concentração de usuários de droga é exatamente a Rua Helvétia, nas proximidades da Avenida São João. O local fica a só dois quarteirões do restaurante de Magalhães. É esse “anda para lá e anda para cá” dos usuários que tira o sono dos comerciantes. “É uma situação que vem se repetindo há décadas”, opina ele.
Na Praça Marechal Deodoro, local onde usuários de drogas se misturam com pessoas em situação de rua, a angústia dos comerciantes já é rotina. Ali, ninguém quer se identificar; outros preferem nem dar declarações.
“A gente tem medo de uma invasão”, diz o gerente de um restaurante que atua há cinco anos no local. “A gente percebe que os clientes deixam de vir porque também se sentem inseguros”, afirma.
A SSP informa ainda que medidas de segurança são executadas em conjunto com ações das secretarias estaduais de Saúde e de Desenvolvimento Social. “Esse conjunto de ações permitiu a diminuição crescente do número de dependentes químicos na região e a requalificação de vias que antes eram tomadas pelo fluxo.”
A estratégia do comércio tem sido compartilhar informações sobre a dinâmica do fluxo para se precaver. Iezio Silva, presidente da Associação Pró-Campos Elíseos, afirma que monitora três grandes grupos de usuários, com cerca de 20 pessoas cada um, que perambulam pelo centro.
Alguns empreendedores simplesmente desistiram. É o caso da aposentada Helena Santos, que chegou a adquirir 50% de um ponto comercial na esquina das ruas Helvétia e Conselheiro Nébias em 2019 por R$ 120 mil. Por causa dos assaltos constantes e da sensação de insegurança, ela abriu mão do negócio por um valor bastante inferior – ela prefere não revelar a quantia. “Tive um prejuízo grande e ainda fiquei deprimida”, conta.
A Prefeitura de São Paulo identificou 32 ruas da região central da cidade com a presença de usuários de drogas e dependentes químicos.
A percepção dos comerciantes varia de acordo com a região da cidade. Em uma lanchonete na Avenida Rio Branco, que concentra menor número de usuários neste momento, o gerente Antonio (ele prefere citar apenas o primeiro nome) afirma que a situação melhorou, mas reconhece que o problema apenas mudou de lugar. “Para nós, as coisas melhoraram. Diminuiu a preocupação, mas sei que outros estabelecimentos estão sendo prejudicados”.
O Estadão presenciou abordagens consecutivas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar (PM) nas proximidades do Terminal Princesa Isabel na manhã desta segunda-feira, 19. O objetivo é impedir novas aglomerações de usuários de drogas.
Historicamente, o fluxo da Cracolândia migra. Depois de ocupar por décadas a região da estação Julio Prestes, na Luz, o grupo de usuários já ou pela praça Princesa Isabel, pelas ruas dos Gusmões e Helvétia, pelas alamedas Cleveland e Dino Bueno e pela Rua dos Protestantes, o último local de maior concentração.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que o fluxo vinha diminuindo nos últimos meses graças à atuação da assistência social, da saúde e das forças de segurança. Um dos principais motivos apontados pela Prefeitura para a dispersão na Rua dos Protestantes foi a operação conjunta do governo e da prefeitura na Favela do Moinho, local de onde partiria o envio de drogas para o fluxo.