Com medo da violência urbana, moradores de São Paulo têm trocado a variedade de opções profissionais, culturais e gastronômicas da maior metrópole do País por lugares mais tranquilos para criar os filhos e andar na rua. “Não tinha segurança de sair com as crianças e me sentia presa em casa. Fiquei cada vez mais ansiosa”, conta Amanda Ponce Armelin, de 37 anos, que se mudou para o interior em novembro.
A capital vê uma onda de crimes violentos, como o do jovem assassinado por ladrões em Pinheiros, zona oeste, e do ciclista que morreu baleado perto do Parque do Povo. Ambos foram vítimas de latrocínio (roubo seguido de morte), que subiu 23,2% em 2024. Nos dois casos, o alvo era o celular - são 200 mil roubados ou furtados por ano na cidade.
A Secretaria da Segurança Pública, em nota, diz estar “comprometida com o combate à criminalidade e “investindo em tecnologia e no fortalecimento das polícias”. E destaca a queda de 13% nos roubos em janeiro, além da prisão e apreensão de 3.965 infratores.
Além disso, a pasta diz ter intensificado o policiamento na cidade com a compra de 180 motocicletas e investimento superior a R$ 24 milhões. Só na região central, continua, o efetivo foi ampliado com 400 policiais, além de 80 novas motos.
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Para Ricardo Balestreri, especialista do Insper, a impunidade agrava a sensação de insegurança. “O roubo de celular, por exemplo, é difícil de se solucionar, gera instabilidade na população. Há uma onda emocional de que o problema não é resolvido, um sentimento de que não há saída”, diz ele, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
‘Santa Cecilier ferrenha’ vai morar no interior
A cozinheira Amanda Armelin diz que foi uma ‘Santa Cecilier ferrenha’ nos 12 anos em que morou, em Santa Cecília, famoso bairro da região central de de São Paulo que concentra bares e festas descoladas da capital. Mas hoje tenta desacelerar e entrar no ritmo de Americana, a 140 quilômetros de São Paulo.
Ela conta que comprou o apartamento dos sonhos na capital: espaçoso com arquitetura antiga preservada, lotado de plantas, janelas de frente para o Minhocão e aproveitava muito as opções da região. Mas tudo mudou com a pandemia. “
“Sentia uma crescente de estabelecimentos fechando, aumento de moradores em situação de rua e me sentia menos segura”, lembra. A sensação piorou depois que teve o filho, Dante, de 3 anos, e com a convivência com o enteado, Murilo, de 9. “Não acho que São Paulo seja seguro para criar meus filhos.”

A gota d’água para retornar para a cidade onde nasceu foi quando Junior, seu marido, sofreu uma tentativa de assalto com uma faca no ponto de ônibus.
O casal tem um pequeno negócio de comidas congeladas, a Armelícias. Cerca de 80% dos seus clientes seguem na capital e as entregas foram ajustadas uma vez por semana. Também expandiram a clientela no interior. De quebra, em Americana Amanda ganhou a convivência mais próxima com a família.
Ela, porém, sente falta dos serviços da capital. “Em Santa Cecília, tinha tudo a dois quarteirões de casa. Em Americana, no domingo não tem nada aberto. O atendimento e a velocidade são outros. A gente fica mal acostumada com São Paulo.”
As opções culturais também são mais escassas. “Gosto de levar as crianças em parques, teatros, eventos gratuitos e abertos. Sinto algumas saudades específicas, por isso quando vamos a São Paulo fazer entregas, às vezes tento emendar um eio. Agora a cidade virou só diversão.”
O sonho da casa com quintal em piscina
A fotógrafa Raquel Lira, 38 anos, vive em uma casa ampla, com quintal gramado, piscina e até quarto de hóspedes em Indaiatuba, a 100 quilômetros de São Paulo. Em dezembro, seus sogros também deixaram a capital rumo à mesma cidade.
Nascida em São Paulo, Raquel morava antes em um apartamento de 50 m² Interlagos, na zona sul, com o marido Rubens e as duas filhas Rebeca, 9 anos, e Raíssa, de 6. O medo da violência motivou a mudança para o interior em 2021.
Os pais dela têm uma pizzaria em Interlagos, já assaltada algumas vezes, e a cunhada também foi vítima. Quando Raquel saía de carro com as filhas, era sempre com vidros fechados. “Meus pais colocaram a pizzaria à venda e construíram uma casa na Bahia, na cidade natal do meu pai. Não veem a hora de ir embora, ninguém vive tranquilo em São Paulo.”

Hoje ela diz que encontrou a segurança que buscava, andando a pé pela cidade - seja dia ou noite - e com as filhas brincando na rua. Raquel manteve alguns clientes na capital, mas conseguiu novos na região.
O marido tem trabalho híbrido e se desloca duas vezes na semana até a capital. “É prazeroso sair na rua, viver a natureza, andar de bicicleta, patinete e caminhar sem medo de assalto.”
Apesar da felicidade, a fotógrafa reconhece impactos negativos. Em 2024, Rebeca, a filha mais velha, teve dengue, precisou ser internada, e não havia leito disponível. Teve de ser transferida às pressas para Campinas. “O serviço de saúde ainda não é dos melhores e muitos médicos não atendem pelo convênio.”
Maior preocupação é saber se tem jacaré no córrego
A supervisora de mídia Camila Sampaio, de 34 anos, e o gerente de marketing Gabriel Sampaio, de 35, moraram por cinco anos em Moema, zona sul paulistana, por conta do trabalho, mas deixaram a cidade em 2022, com “medo da onda de violência muito acentuada”, para viver em Florianópolis.
Sampaio conta que relatos de vizinhos em grupos de WhatsApp do condomínio com histórias de assaltos à mão armada fizeram o casal viver “ilhado” no apartamento. O isolamento ou a pesar na saúde mental de ambos.
“Assustava não só os assaltos, mas a violência nas abordagens, com armas, coronhadas. Trabalhava da varanda do apartamento e ouvi algumas vezes gritos de ‘pega ladrão.’ Começamos a ficar com medo de sair de casa e amos a viver enclausurados, mas pagando caro”, conta ele.
Hoje o casal e o pug Balthazar moram em um condomínio em Florianópolis, pagando 40% menos do que em São Paulo. “Foi um salto na qualidade de vida e saúde mental. Nossa maior preocupação é pensar se tem jacaré no córrego ao lado”, brinca
Quando precisou voltar a São Paulo por um compromisso profissional, Sampaio diz que teve uma crise de ansiedade na rua. Eles reconhecem a importância de São Paulo para suas carreiras, mas não mudam de ideia. “Fez muito sentido (morar na capital) para nós nesse determinado período da vida, mas voltar é um cenário descartado.”
Da cidade grande para um sítio
Após morar mais de 50 anos em São Paulo, Monica Pereira, de 55 anos, mudou-se para um sítio em Socorro, a 170 quilômetros da capital, em 2022, quando era professor recém-aposentada. O marido, Ailton, trabalhava em home office.
A mudança para Socorro foi porque a família tinha um sítio na cidade, por isso era um destino conhecido desde sua infância, e os pais já viviam lá. Em São Paulo, uma casa onde morou, na zona sul, foi assaltada duas vezes.
“Em uma delas estava grávida da Laura. Os ladrões foram embora e levaram o carro. Na segunda vez, cheguei em casa e vi a porta da sala aberta. Levaram eletrônicos, roupas, muita coisa”, conta.

Na capital, Laura não saía sozinha de “jeito nenhum” e mesmo os adultos evitavam circular à noite. Em Socorro, conta que a adaptação não foi fácil, mas funcionou com o tempo.
Em janeiro, a família fixou novo endereço, em Campinas, porque Laura começou a cursar istração em uma faculdade privada. Na cidade, com mais de 1 milhão de habitantes, Monica achou o equilíbrio que procurava.
“Meu marido e eu somos jovens e gostamos de usufruir de opções de grandes cidades, como restaurantes e a proximidade com o aeroporto. Em Campinas ficamos com medo de ter a mesma sensação de lá (da insegurança da capital), mas não. Tem características bucólicas, e ao mesmo tempo, muitas opções. Estamos adorando”, finaliza.