"A população tem razão de estar amedrontada", diz diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Samira Bueno defende que ação permanente da polícia contra receptadores de celulares roubados.
O Morumbi, na zona sul de São Paulo, foi a região que mais registrou roubos a residências no 1º trimestre, segundo levantamento feito pelo Estadão com base nos microdados disponibilizados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP).
- Foram 9 casos registados de janeiro a março, dois a menos do que no mesmo recorte de 2024, quando a região – caracterizada por casas de alto padrão – já figurava no topo da lista;
- Capão Redondo e Vila Clementino, também na zona sul, vêm logo em seguida, com 7 ocorrências cada. O levantamento não inclui furtos, crimes sem violência física ou grave ameaça.
A Secretaria da Segurança Pública afirma que, diante de “operações constantes” para coibir assaltos a residências, os casos têm caído no Estado. Segundo a pasta, foram 133 registros nos três primeiros meses do ano na capital, redução de 30% ante os 190 casos no mesmo período de 2024.
“Na região do Morumbi, o 34° Distrito Policial esclareceu um roubo à residência e de extorsão na região, ocorrido em 21/02. Na ocasião, a investigação identificou o autor e o prendeu em cumprimento de mandado de prisão. Alguns dos objetos subtraídos na ocasião foram recuperados na casa do criminoso", diz a secretaria.

Apesar da queda nos indicadores, os casos recentes assustam, principalmente pela violência. Em abril, ao menos cinco bandidos armados com pistolas e fuzis mantiveram segurança, porteiro e outros funcionários rendidos após entrar em uma casa na Rua General José Scarcela Portela, no Morumbi.
Conforme o boletim de ocorrência, o grupo chegou a esperar que os donos da casa saíssem do quarto, protegido com porta blindada. A abordagem começou por volta das 4h do último dia 22.
O prejuízo com o assalto foi de ao menos R$ 1 milhão. Foram levados cerca de 13 relógios de luxo – sete deles da marca Rolex e outros três da Patek Philippe. Os bandidos, encapuzados, também levaram joias e US$ 5 mil (quase R$ 30 mil) em espécie. O grupo fugiu por volta das 6h30.

A suspeita é de que o assalto tenha sido cometido pela gangue do Minotauro, apelido de Diego Fernandes de Souza, de 40 anos. Investigado pelo menos desde 2019, ele teria começado no mundo do crime como “abridor de portas” antes de liderar a própria gangue.
Como mostrou o Estadão, a quadrilha encabeçada por ele é investigada pelo roubo de ao menos 30 residências com modus operandi parecido em três anos, estima o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), da Polícia Civil. A defesa de Souza não foi localizada.
Grau de ‘profissionalismo’ das gangues chama atenção
As ações do grupo ocorrem sempre no Morumbi e arredores. A Polícia Civil aponta que, em 18 de dezembro, a gangue do Minotauro invadiu outra casa, desta vez na Cidade Jardim. A abordagem se deu “mediante grave ameaça de morte fazendo uso de armas de fogo”, segundo o BO.
Imagens de câmeras de segurança obtidas pelo Estadão mostram que, também por volta das 4h, ao menos quatro ladrões entraram rapidamente na casa. Todos usavam moletons pretos da Nike e capuzes.
O grau de profissionalismo chama a atenção. “Não houve arrombamento de portas, janelas e portões, acreditando-se que usaram chaves falsas”, aponta o depoimento das vítimas.
Entre os pertences levados, estão aproximadamente 50 anéis com brilhantes e pedras preciosas, 50 brincos com diamantes, 40 pulseiras de ouro ou colares, 40 anéis ou brincos, além de ao menos quatro iPhones, cartões bancários e até videogame. O caso foi registrado no 34º DP, no Morumbi.
Roubo na Cidade Jardim
Após rápida invasão, 'gangue do Minotauro' leva celulares, cartões e dezenas de joias de mansão na zona sul de São Paulo.
‘Põem todo mundo no banheiro ou onde não atrapalhe’
“A madrugada é um horário bastante escolhido. O que às vezes também atrapalha um pouco é se tem uma obra próxima à casa (a ser roubada). É um facilitador (para a invasão das casas)“, afirma Julia Titz, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) Morumbi.
Os casos costumam ter mais ou menos a mesma característica: eles amarram (as vítimas) ou então põem todo mundo no banheiro ou em algum lugar que não atrapalhe a ‘limpeza’ que vão fazer na casa
Julia Titz, presidente do Conseg Morumbi
Segundo ela, os roubos a casas no Morumbi não são um problema novo, até pelas características do bairro, mas mobilizam os moradores não só a cooperar entre eles, por meio de grupos de WhatsApp, como a manter diálogo ativo com as autoridades.
Por um lado, diz, as cobranças até têm rendido alguns frutos. “O 34º é um distrito que tem esclarecido muito esses tipos de delito”, afirma Julia. Por outro, é preciso avançar sobretudo na prevenção, demanda que, segundo ela, tem sido reforçada com frequência à secretaria da Segurança.
Roubos subiram 27,5% no 1º trimestre no Morumbi
No ano ado, um grupo com dezenas de síndicos fez uma reunião com representantes das polícias que atuam no Morumbi para cobrar ações de prevenção a assaltos na região, conta Jorge Eduardo de Souza, presidente da Sociedade Amigos Morumbi e Vila Suzana (Samovis).
Os pedidos vão além dos assaltos a casas. “A maior demanda que chega no grupo é roubo de motoqueiros na rua”, afirma Souza. Segundo dados oficiais, foram 380 assaltos registrados no 34º Distrito Policial no 1º trimestre, alta de 27,5% em relação ao mesmo período do ano ado.
Em relação aos roubos a casas, Souza afirma que a entidade busca reforçar medidas básicas de segurança com a população, como evitar demorar para entrar na garagem e iluminar bem as fachadas. “As casas têm feito investimento pesado. Muitas estão com muros mais altos, segurança particular 24 horas e instalando mais câmeras”, diz.
Casas ‘relevantes economicamente’ atraem criminosos
Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não é só a presença expressiva de casas no bairro que explica a situação, mas as próprias características desses imóveis e dos alvos em potencial.
“Há casas ali relevantes economicamente e que atraem a atenção dos criminosos”, diz. Ele reforça que, além disso, o Morumbi está localizado bem próximo da comunidade de Paraisópolis, “que às vezes serve de esconderijo”.
Investigações policiais indicam que a gangue do Minotauro, por exemplo, usa a comunidade de base para cometer roubos.

“Há ineficiência da política de segurança pública em São Paulo, que não tem conseguido debelar esse tipo de problema”, afirma Alcadipani.
Na terça-feira, 13, um grupo de criminosos armados invadiu um prédio em Higienópolis, na região central. A Polícia Civil ainda investiga quem são os assaltantes, mas ainda não há indícios de relação com a gangue do Minotauro, até pelo modus operandi distinto.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirma que “as forças policiais do Estado realizam operações constantes e investigações rigorosas para coibir os assaltos a residências em todo o território estadual”, além de monitorar áreas de maior incidência do delito, a exemplo do Morumbi.
São ações com ‘deslocamento rápido’, diz delegado
O próprio modo de agir das gangues focadas em roubar casas dificulta as prisões, segundo autoridades. “É uma ação com deslocamento rápido, tanto para a ida quanto para o retorno”, afirma ao Estadão o delegado Fabio Sandrin, titular da 4ª Delegacia do Patrimônio do Deic, focada em investigações relacionadas a furto e roubo de condomínios e residências.
Os altos lucros com a venda de objetos de luxo atraem os bandidos. Em muitos casos, afirma Sandrin, os itens roubados são desmanchados e avaliados pelo preço do ouro ou de outros materiais de valor, como pedras valiosas cravejadas nas joias.
O delegado reconhece que a invasão a casas, embora menos numerosa do que roubos de pedestres, afeta diretamente a sensação de insegurança – em geral, casa é sinônimo de intimidade. “Muitos atendidos no Deic ficam traumatizados e não querem voltar para a residência”, conta.
As vítimas costumam ser escolhidas previamente, com base em observação da região e em buscas de potenciais alvos a partir de dados vazados. Em geral, as quadrilhas têm cinco integrantes.
“Uns vão render as vítimas e ficar vigiando, outros vão procurar (objetos de valor), tem um que fica na coordenação”, explica Sandrin. Há também os que ficam na condução de carros, normalmente dois, monitorando a movimentação na rua e prontos para a fuga rápida.