O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou na Justiça com uma ação civil pública contra a montadora chinesa Build Your Dreams (BYD) por supostas violações em série de direitos trabalhistas, tráfico de pessoas e trabalho análogo ao escravo. A Procuradoria pede uma indenização de R$ 257 milhões por danos morais à sociedade.
O Estadão pediu manifestação da BYD. O espaço está aberto.
A Procuradoria alega que as irregularidades foram descobertas em uma fiscalização realizada em dezembro de 2024 na obra de construção da fábrica da montadora, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.
Duas empreiteiras - China Jinjiang Construction Brazil e Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil - também são citadas no processo.
Os funcionários chineses contratados para trabalhar no empreendimento foram resgatados em condições degradantes, segundo o MPT. Eles teriam sido atraídos por promessas enganosas de salário.
“Alguns relataram ter assinado papéis em branco ou não terem lido o contrato por serem analfabetos”, destaca a ação. ”Agravando a vulnerabilidade, foram identificados trabalhadores chineses não alfabetizados, fato que impossibilitava a compreensão das condições do contrato”, afirma o Ministério Público.

Os trabalhadores aram meses sob jornadas “exaustivas”, de domingo a domingo, sem folgas mesmo nos feriados, e sem receber nada ou recebendo muito menos que um salário-mínimo, segundo a investigação.
“(Eram) forçados a permanecer vinculados ao contrato na esperança de que o montante relevante do salário seria depositado ao final”, diz um trecho da ação. “Restou patente que os trabalhadores não tinham como arcar com a agem de retorno para a China.”
O processo relata que os alojamentos de funcionários estavam superlotados e que as condições de higiene eram precárias. Em um desses complexos, havia apenas um banheiro para 31 pessoas.
Os trabalhadores eram vigiados por seguranças armados e impedidos de deixar a obra sem autorização, afirma a Procuradoria. Além disso, seus aportes foram encontrados em um armário lacrado.
“Os portões dos alojamentos eram trancados após o jantar, permitindo-se saídas apenas para compras básicas com autorização, conforme expressamente previsto em cláusulas contratuais. Um dos policiais militares contratados para a vigilância confirmou que apenas ele, o cozinheiro e um outro trabalhador encarregado tinham a chave do portão do alojamento, que permanecia trancado durante todo o turno noturno”, destaca o MPT.

A BYD nega irregularidades e atribui à construtora terceirizada Jinjang Construction a gestão da obra, mas segundo o Ministério Público há evidências de que a montadora “atuava como verdadeira gestora da obra, estabelecendo metas e prazos, indicando trabalhadores a serem contratados pelas prestadoras de serviço, aprovando materiais e inspecionando diariamente a qualidade e o andamento dos trabalhos”.
O Ministério Público defende no processo que o tráfico de pessoas para fins de trabalho em condições análogas à escravidão “exige uma reparação individual e coletiva contundente”. Além dos R$ 257 milhões por danos morais à sociedade, os procuradores que subscrevem a ação pedem que os 220 trabalhadores resgatados recebam indenizações individuais.
“Estamos falando de imigrantes que desconhecem o idioma nacional (muitos são analfabetos em sua língua natal), não possuem educação formal, não possuem especialização técnica laboral, vivem em situação de pobreza em seu país e receberam uma promessa de trabalho em condições que não se concretizaram no Brasil”, acentua a Procuradoria do Trabalho.
Em outro trecho, os procuradores ressaltam que os funcionários “tiveram seus aportes retidos, desconhecem os direitos trabalhistas assegurados no país, foram alojados em condições indignas sob constante vigilância, com restrição de ir e vir livremente, não receberam pagamento de salário no Brasil ou regidos sob a lei brasileira”.
“A alimentação recebida não tinha um padrão higiênico adequado, trabalhavam em jornadas e condições exaustivas e inseguras, dentre outros, o que invoca, em saciedade, a necessidade de se reconhecer uma multiplicidade de fatores que levaram à superexploração laboral dessas pessoas”, diz a ação.
COM A PALAVRA, A BUILD YOUR DREAMS ((BYD)
A reportagem do Estadão pediu manifestação da montadora chinesa. O espaço está aberto (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).